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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Crônica do Dia

O aluno Samuel Kauffmann traz, na crônica de hoje, suas impressões sobre vaidade, mudanças de costumes, moda; e nos presenteia com boas histórias de tempos passados.

Modas e preconceitos

Inquiri-me sobre o que poderia discursar sobre modas e vaidades. Sim, vaidade é tudo aquilo que envolve minha apresentação visual, sem dúvida alguma. Desde um corte de cabelo até a meia que estiver vestindo. Contudo, para que isto aconteça, terei que abrir a minha psiquê ao olhar dos outros. E aí é que são elas. Fico antecipadamente melindrado e arrepiado, só de pensar que tal coisa venha acontecer.
Bem, então prefiro narrar-lhes fatos que vieram ao meu conhecimento.
Contaram-me sobre um meninote, de aproximadamente uns 3 anos de idade.
E até mostram-me uma foto antiga dele, sentado num pônei de estúdio fotográfico, com
roupinha de marinheiro. Tinha um sorriso e um olhar maroto, demonstrando satisfação em ser fotografado. Seus cabelos, no alto da cabeça, eram castanhos claros; e desciam, num tom louro e bem ondulado, pelas laterais, a lhe cobrir as orelhas e a nuca. Certa vez, passeando com o pai, foram abordados por um conhecido deste, que fez a seguinte observação:
- Mas que menina linda!!!
Pra quê! A reação do pai, vocês podem até imaginar. Um burguês ouvindo que o seu filho primogênito mais se parecia com uma menina. Partiu dali com o garoto direto para
o barbeiro, pedindo-lhe que cortasse a cabeleira com máquina zero e deixasse apenas um pequeno topete junto à testa. Ainda bem que o profissional foi bastante humano e guardou um cacho louro, enviando-o para a mãe. Esta chorou por dias seguidos e sem falar com o marido... Como prova maior deste acontecimento, tive em minhas mãos um resto daqueles cachos de cabelos louros.
O menino ficou até quase dez anos de idade com aquele corte de cabelo: cabeça raspada a maquina zero com o tal do pequeno topete. Foi quando se revoltou com o pai e assumiu a sua própria vaidade, deixando a cabeleira crescer abundantemente. Ficava
uma hora inteira diante do espelho ajeitando o penteado, conforme lhe parecesse mais
conveniente para o momento, acompanhando a moda da época, espelhando-se nos astros do cinema, com auxílio de loções, “brilhantina”, “gumex”, etc. Atualmente, tem os cabelos bem compridos, como os dos nativos das Américas - um corte muito adotado pelos roqueiros.
Outra narrativa:
O ano: 1954. O rapazote iniciava o ginásio num colégio estadual. O uniforme tinha um aspecto militar, em tecido brim cinza. Calça comprida, até o tornozelo, com listras
laterais em azul marinho; o dólmã fechado até o pescoço com a gola azul marinho, manga comprida até os pulsos com acabamento na mesma cor, envolvida com listra, indicando a série escolar do estudante. O sapato de couro tinha que ser preto e sempre bem limpo. Ele sentia-se orgulhoso, apesar do sufoco em dias de calor.
Já as raparigas tinha obrigação de vestir um uniforme bem mais agradável. Saia plissada, até um pouco abaixo do meio das pernas, em tecido azul marinho, blusa branca de
manga comprida, fechada nos punhos e gola fechada no pescoço, meias de malha branca até os joelhos. Sapatos de verniz preto. Todavia elas não ficavam sufocadas em dias de calor extremo.
Rapazes e moças ficavam juntos apenas nos horários de aula. Nos intervalos permaneciam em pátios separados. Esta situação dificultava a possibilidade de um namorico.
Na rua nem falar... Poderiam ser surpreendidos por conhecidos ou pelos próprios pais. Então por que tanto engalanar-se, o que os enchia de vaidades juvenis, se os objetivos de tal moda não eram facilitados para a aproximação tão desejada?
Tal moda de uniforme escolar já não se vê hoje em dia. Nem namorar na rua não
é mais nenhum impedimento. Como as coisas mudaram...

Mais outra narrativa:
No passado, aí por volta da década de 1960 e até mesmo antes, os representantes comerciais, vendedores pracistas e até de lojas, usavam rigorosamente o terno completo com gravata, fizesse o tempo que fizesse. Um destes, amigo de profissão, atendia comerciantes estabelecidos no subúrbio carioca. Atravessar um período de meia estação era suportável. Agora, enfrentar o tórrido clima de verão, tornava-se uma tortura ter de caminhar sob o Sol implacável. Em conversas de roda dos vendedores, questionavam a necessidade de ter de se usar o terno como uniforme profissional da classe. Os mais antigos contavam que usavam o chapéu como protetor da cabeça - mas já tinha caído em desuso. O tal amigo narrou-me que estava trabalhando em Bangu, num daqueles dias calorentos de dezembro, quando sentiu mal estar, leve dor de cabeça, náuseas, tontura, etc. – sintomas de desidratação. Sentou-se no meio-fio, sob uma frondosa árvore, enquanto bebia uma garrafa de Coca-Cola – esta tem efeito hidratante quando sorvida aos poucos. Depois de recuperado, retirou o paletó, afrouxou a gravata, abriu o colarinho, arregaçou as mangas e continuou as suas visitas. Percebeu que os lojistas não ficaram constrangidos com o visual de sua apresentação. Resolveu desafiar o status da moda profissional, comparecendo, no dia seguinte, ao escritório do Gerente, em “mangas de camisa” – uma expressão que significava o uso de camisa esportiva de mangas curtas e sem a tal gravata - um acessório, por sinal vaidoso, sem real significação. A reação do Gerente, que era de se esperar, foi uma explosão de raiva irracional. O meu amigo era o melhor vendedor da equipe. Naquela ocasião foi defendido pelo Diretor, que por acaso estava presente. O qual disse: “Deixe o rapaz; ele sabe o que está fazendo”. Uma expressão de ódio silencioso estampou-se na face do Gerente. E isto lhe foi fatal. Dias após recebia uma comunicação verbal de demissão por justa causa, que felizmente ocorreu com um pedido de demissão, já por desinteresse do meu amigo. Como fala o povo: “a corda rompe sempre pelo lado mais fraco”.
Vejam como uma atitude desafiadora ao modismo herdado do primeiro mundo, colonizador, resulta em consequências inesperadas conforme a época, entre os colonizados. Sim, porque hoje em dia os vendedores trabalham em “mangas de camisa” e ninguém se importa... Terno e gravata, somente entre os de cargos gerenciais para cima, na hierarquia administrativa.
Interessante é que foram os ingleses que instituíram o uso da bermuda em suas colônias tropicais...

Em 29 de junho de 2011.

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