Páginas

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Delicioso conto do aluno Aldo Raposo Neves, que relata o caminho, difícil e alegre, do romance de Giovanni e Verônica.

Um caso de amor na terceira idade

Giovanni aposentou-se com setenta anos; ele tem estatura elevada, cabelos brancos bem penteados, saúde de ferro, rosto vermelho e sem rugas. Ficou viúvo dois anos antes de se aposentar. A família se resume aos três filhos casados (uma mulher e dois homens), quatro netos adolescentes, um genro e duas noras. Quando parou de trabalhar, sua vida ficou monótona. Não visitava, há muitas décadas, seus familiares italianos que moram em Nápoles; da mesma forma, não tinha contato com os parentes baianos de sua falecida esposa, Maria das Dores, a Dorinha. Depois da morte dela, transferiu 50% dos seus bens para os descendentes diretos. Durante o processo de inventário, foram muitas as brigas com os filhos, que disputavam os melhores imóveis. O resultado dessas desavenças é que não se falam e, somente duas vezes por ano, vêm visitar o velho pai: no Natal e na data do seu aniversário. Esses encontros são constrangedores, pois funcionam como se fossem catarses (purgação e purificação de sentimentos e emoções). Exceção deve ser feita para Laura, sua filha, que faz as compras do mês e que, uma vez por semana, telefona para saber se está tudo bem.
Ele trabalhou no ramo de restaurantes, ficava o dia todo fora de casa e, por isso, não participou da criação dos filhos. Dorinha cuidava de tudo: fazia compras, ia às reuniões de pais, comprava roupas para as crianças, comparecia nas festas infantis dos amigos das crianças, ajudava nos deveres de casa e saía de férias com os filhos, nos meses de Janeiro e Julho. Ela era o esteio da família e também ajudou muito na criação dos netos. Giovanni se arrepende de não ter participado dos momentos importantes na vida dos filhos e netos.
Sua renda mensal é proveniente de imóveis seus, que permanecem alugados. Tem bastante conforto num apartamento de quatro quartos, situado de frente para a praia de Copacabana. Três vezes por semana, a antiga empregada, Conceição, vem lavar e passar roupas, arrumar a casa, fazer o almoço e o jantar. Nos demais dias ele faz as refeições no restaurante da esquina.
Conversava, diariamente, com os porteiros e com os "amigos" de um botequim próximo e vivia solitário, na companhia de um gato. Aliás, só percebeu que não tinha amigos verdadeiros quando se aposentou. Todos conheciam o empresário dono de restaurantes e imóveis, mas ninguém conhecia de perto o ser humano Giovanni, nem mesmo os três filhos. Ele mesmo mantinha certa distância dos seus funcionários para não criar intimidades. Sempre trabalhou muito para dar conforto para todos, mas, na realidade, ele era visto pela família apenas como provedor. Os filhos estudaram nos melhores colégios do Rio de Janeiro e em países da Europa, tudo pago por ele, mas ninguém reconheceu o enorme esforço que foi, para ele, construir o patrimônio familiar.
O destino traz acontecimentos ruins e bons. Começou a ter dores decorrentes de bursite e tendinite, que dificultavam os movimentos dos dois braços. O médico receitou 30 sessões de fisioterapia, a serem aplicadas em dias alternados. Foi aí que surgiu, de repente, Verônica, mulher de 35 anos, com um metro e setenta de altura, corpo bem torneado, olhos que sorriam, cabelos negros e um lindo rosto.
No início, os dois mantinham um relacionamento de paciente e terapeuta. Com o passar dos dias, o coração italiano se apaixonou pela maciez da pele e pela beleza de Verônica. Ele passou a convidá-la para jantar em restaurantes caros. Ela sempre recusava, para não misturar trabalho com aproximações amorosas. Mas Giovanni era persistente e começou a mandar rosas e bombons para sua amiga. Ela finalmente cedeu e, a partir da décima quarta sessão de fisioterapia, começaram a fazer refeições juntos e ir, com frequência, ao teatro ou cinema... O paciente melhorou com apenas quinze aplicações de fisioterapia. Entretanto, escondeu a melhora para não perder os momentos agradáveis de convivência. Na décima sexta aplicação, a empregada chegou de repente na sala e surpreendeu Giovanni acariciando o rosto de Verônica e aproximando-se para uma troca de beijos. A empregada Conceição se afastou e não resistiu à tentação de contar, por telefone, as novidades para a filha do dono da casa: "Seu Giovanni está muito diferente, está sempre feliz, caminha na praia todos os dias, escuta, com frequência, músicas românticas italianas e me surpreendeu, namorando a fisioterapeuta, na sala".
A revelação foi muito forte. A filha telefonou para os irmãos e marcou um encontro de surpresa, na casa do pai, no dia seguinte, às 20 horas.
O pai ficou surpreso, quando o porteiro avisou pelo interfone a visita dos três filhos, que chegaram juntos. Foram essas suas palavras: "Entrem. Sejam bem-vindos à nossa casa! Eu só estranho vocês, que sempre brigam, estarem juntos para falar comigo. Devo estar atento, pois a proposta não deve ser boa para mim". Sentaram-se à mesa e ele foi "atacado" com afirmações de que deveria acabar o namoro, que a fisioterapeuta era uma aproveitadora, que só desejava seu dinheiro e seus bens, e que havia grande diferença de idade entre os dois. Afirmaram que deveria procurar outro fisioterapeuta, de preferência um homem. Ele ouviu tudo calado e disse, após os "ataques", que ninguém mandava no seu coração, que já não aguentava mais a solidão e amava Verônica. Reclamou que eles nunca o visitavam, nunca seus netos adolescentes o procuravam, nunca os filhos o chamavam para ir às suas casas. Finalizou afirmando que iria jantar com os pais da sua namorada, e que ficariam noivos. Mostrou, em seguida, as alianças de noivado que comprara. Foi uma ducha fria nos filhos, que se surpreenderam com os acontecimentos. Giovanni afirmou que não admitia réplicas, que a vida era dele e que já estava atrasado para o encontro com a namorada, que residia no Grajaú. Levantou-se, abriu a porta e convidou-os para sair. Despediu-se com um beijo na filha e um aperto de mão nos filhos.
O casal viveu tempos de amores e alegrias. Ele sempre muito cavalheiro, tratava a família da noiva como se fosse sua. Passou a ser um grande amigo do seu futuro sogro e tornou-se uma pessoa alegre e comunicativa. Não esquecia os antigos amigos e era visto, com frequência, conversando com os porteiros ou no bar da esquina. Os filhos ligaram várias vezes, tentando, inutilmente, demovê-lo do relacionamento. Marcaram encontros em restaurantes, no centro da cidade, para tentar fazer com que desistisse do noivado. Tudo em vão! Quanto mais insistiam, mais forte se tornava o amor entre eles.
Casaram-se um ano e meio após o noivado, com a presença dos parentes da noiva e dos porteiros e amigos de bar. Os filhos e parentes próximos do noivo, embora tenham recebido convite, recusaram-se à comparecer às bodas.
O tempo passou e o amor entre eles continuou cada vez mais intenso. Como sempre estava bem do coração, passou a usar, com frequência, viagra, similares e genéricos, para "apimentar" a relação com sua mulher. Viveram muito felizes, durante anos, no apartamento de Copacabana. Eram amantes e amigos.
Aos 85 anos, registrou em cartório um testamento com a partilha de seus bens entre sua esposa e os três filhos, com vistas a evitar futuras brigas entre irmãos por causa dos bens. Quando Giovanni já tinha 93 anos, teve um fulminante ataque cardíaco. 
Os filhos e netos compareceram ao velório. Verônica, já com 55 anos, chorava desesperadamente a perda do grande amor de sua vida. As pessoas que chegavam perto dele, observavam que sua fisionomia estava tranquila e apresentava nos lábios um sorriso maroto de felicidade.

Nenhum comentário: