Páginas

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Crônica do dia

Terminando esta semana, postamos o conto "Um bilhete", de Machado de Assis. Surpreendam-se!

Um bilhete

Antes mesmo que acabasse o baile, Maria Adelaide dizia à mãe que não queria ficar um minuto mais que fosse.
— Que é isso? disse-lhe a mãe. Deu uma hora agora mesmo.
— Não quero saber. Vamo-nos embora.
— Ora, meu Deus!
— Vamos, vamos.
Não havia que dizer, a mãe era governada pela filha, e perderia o lugar no céu, se tanto fosse preciso, para não desgostá-la. Note-se que não cedia pouco desta vez; cedia a ceia, que era excelente, e a boa viúva professava esta filosofia: — que as ceias excelentes são preferíveis às boas, as boas às más e as más às que não têm existência. Sacrificava a melhor parte do baile; mas, enfim, contanto que a filha não padecesse.
Padecer, padecia. No carro, logo que as duas entraram, Maria Adelaide começou a ralhar com tudo, com o carro, com a capa, com o calor, com o pó, com a mãe e consigo mesma. A mãe entendeu logo: era algum desgosto que o Chico Alves lhe dera. Realmente, lembrou-se que o Chico Alves, indo despedir-se delas, nem alcançou que Maria Adelaide olhasse para ele. A moça deu-lhe os dedos, a pontinha apenas, e falou-lhe de costas; naturalmente estavam brigados.
A viagem foi atribulada. Nunca o mau humor da moça foi tamanho nem tão explosivo. A mãe pagou pelo namorado, mas como era prudente e estava com fome, preferiu não dizer nada.
Em casa, continuou o mau humor. A pobre criada da moça padeceu como nunca. Maria Adelaide entrou para os seus aposentos, furiosa, despiu-se às tontas, dizendo coisas duras, rasgando uma das mangas do vestido, atirando as flores ao chão, raivosa e indignada sem causa aparente. No fim, disse à criada que se fosse embora, e ficando só rebentaram-lhe as lágrimas. Assim mesmo sozinha, ia falando, mordendo os lábios, dando punhadas nos joelhos. Depois arrancou da cadeira, foi à secretária e escreveu este bilhete:
“Nunca pensei que o senhor fosse tão pérfido. Nunca imaginei que pudesse proceder como fez no baile; creia que não manifestei o meu desgosto, por dois motivos: — o primeiro, porque ainda tive força de me dominar; segundo, porque depois do que o senhor me fez, nada pode haver mais entre nós. Case-se com a viúva, se quer. Mande as minhas cartas e adeus. Esta determinação é irrevogável. Qualquer tentativa de reconciliação obrigar-me-á ao que não quero.”
Tinha dado expansão à cólera, deitou-se para dormir. O sono não veio logo; a raiva agitou a pobre moça, e só quando começou a madrugada foi que ela pôde dormir um pouco. No dia seguinte, o Chico Alves recebia este bilhete:
“Desculpa algumas palavras que te disse ontem no baile. Estava muito zangada. Vem hoje tomar chá, e eu te explico tudo.”





Nenhum comentário: