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sexta-feira, 20 de abril de 2012

Crônica do dia

Hoje terminamos nossa semana com um excerto de uma tragédia grega - Édipo rei - em que a temática sobre a visão foi abordada na semana anterior. Nesta passagem, temos a fala do arauto quando Édipo, depois de saber que cometera o crime de matar o pai e casar-se com a mãe, fura os próprios olhos; ele que, no entanto, achava-se sábio e irritara-se com Tirésias, um vidente cego, no início da tragédia.


Édipo rei

Arauto: Por suas próprias mãos... O horror do quadro,
             a vós, que não o vistes, será poupado;
             mas eu, que o vi, dele não posso esquecer!
             Desesperada ela entrou no vestíbulo
             e correu para a alcova nupcial,
             as duas mãos arrancando os cabelos;
             bateu a porta atrás de si, com força.
             Gritava - "Laios!" - chamando o marido
             há tanto tempo morto, mas pensando
             no filho que matou o próprio pai
             e que da mãe teve monstruosamente
             uma prole de infelizes...
             Gemia contra o leito nupcial
             onde, coitada, havia concebido
             filhos do filho e era mãe do marido.
             Como afinal morreu, não sei dizer:
             entrou Édipo aos gritos, e vós, vendo-o
             ir de um lado para outro, não chegamos
            a observar a rainha até o fim.
            Ele pedia uma espada e bradava:
            - "Onde está minha esposa, que não é
            esposa alguma, é um útero danado
            que me pariu e pariu filhos meus?"
            - Nessa alucinação, algum poder
            (humano não, não foi nenhum de nós)
            guiou-lhe os passos: num gemido horrível,
            como se algo o empurrasse, atirou-se
            contra as portas, rompendo as dobradiças,
            e num relance entrou, e deparou
            com a mulher enforcada,
            um laço corrediço no pescoço...
            Ao vê-la, num gemido sufocado
           desamarrou a corda, e, quando o corpo
           desmoronou no chão, o que se viu
           foi mais um espetáculo de horror:
           ele arrancou os alfinetes de ouro
          da roupa da rainha, levantou-os
           e os enterrou nos olhos, imprecando:
          "Olhos meus, não vereis mais esta culpa
           e esta vergonha, nunca mais vereis
           quem não deveríeis ter visto nunca,
           e para todo o sempre só vereis
           as trevas!"
          (...)

(Sófocles. Édipo rei. Tradução Geir Campos. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 128-9)

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