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segunda-feira, 16 de abril de 2012

Crônica do dia

Iniciamos nossa semana com um caso estranho das bolsas da aluna Maria Luiza. Muito cuidado ao lerem esta crônica! Boa leitura!

Espelhos da alma - A maldição das bolsas "fake" (crônica do terror urbano)

Quem diz que a velhice é torpe consegue errar mais do que aqueles que a chamam de "melhor idade". Há tantos chavões sobre essa fase da vida que só poderíamos esgotá-los num volumoso romance do século dezenove, Usarei o espaço de uma crônica para refletir sobre alguns deles e, quem sabe, divertir os colegas e os professores, que passam uma tarde por semana na UNATI ouvindo toda sorte de relatos e se deixando conduzir por experiências muito pessoais, mas que, de tão pessoais, se tornam universais e interessam a todos.
"Papéis voadores na repartição"? Meninos, eu já vi. "Joias falsas da Dona Sara"? Marco com um x essa também. "Acidente na escada rolante do shopping"? Tenho dois casos para contar. Um de um garotinho subindo sentado nos degraus e ralando perigosamente o traseiro; outro de uma avó aos prantos porque o bebê caíra do carrinho ao chegar no pé da escada.
"Mitologia"? Um dos meus temas preferidos! E que dizer da colega tão referenciada à música que produz suas crônicas com algumas canções ao vivo e outras apenas invocadas? Total empatia.
A minha catarse de hoje diz respeito ao inglório privilégio da idade que permite a nós velhos maior uso de nossa liberdade, e dum possível logro na forma do "fake" que tira algumas pessoas do sério. Não tenho receio de ser presa por assumir publicamente minha conivência com a pirataria, aliás reconhecida por Lei com papel timbrado, alvará e recibos, nem de mexer num improvável vespeiro de inveja e preconceito. Não entre nós!
Os que me conhecem sabem da minha dificuldade em fazer as escolhas adequadas pretendidas por certos grupos fechados. Na faze atual, aproveitando o quinhão maior de liberdade, uso à larga de meu espírito lúdico e não abro mão daquela parcela de individualismo que ainda garante minha sobrevivência.
Dá que com isso, vivi a estranha aventura que passo a lhes contar, tendo como vilãs - pasmem! - as minhas humildes bolsas.
Elas são de lona e couro sintético, suficientemente grandes para mim mas muito levinhas, com bom acabamento e duram anos, como me garantiu V., esposa de meu filho mais velho, em Salvador.
Fomos À lojinha de uma moça chinesa, ao lado do supermercado, perto de nossa casa.
Mais uma surpresa irresistível: as bolsas eram baratíssimas! Menos da metade do preço das de couro "legítimo" compradas em liquidações nas lojas populares do Rio. Essas, pesadíssimas, acabei passando para minha sobrinha e minha diarista porque o ortopedista me proibira usá-las.
As novas bolsas só tinham um defeito: eram decoradas com lindas estampas de famosos designers com direito até a monogramas nos fechos dourados que deveriam receber tratamento especial com esmalte incolor.
Ao voltar para casa, me bateu um medo daqueles só em pensar que podiam atrair a cobiça e a violência de assaltantes. Naquele tempo não haviam sido criadas as famosas UPPs.
Meu filho mais novo me tranquilizou. "Qual é, mãe? Sem essa! Bandido vai logo ver que é falsa. Ele sabe que gente bacana não vai a lugares que vocês frequentam!"
Pensei... andar em volta do Maracanã com tênis de cem reais e camiseta com inscrição "Estive em Araruama e me lembrei de você", acompanhar a procissão do Senhor Morto lá em Cavalcante, ir à feira com sandália de dedo às onze horas da manhã, é... Zé tinha razão, madame que é madame não faz programa de índio.
Desde então, saio com minhas humildes bolsas e jogo-as em qualquer canto, até no chão, onde meus humildes sapatos Usaflex eventualmente as pisam e sujam para escândalo daqueles poucos olhos que as vigiam, vendo a maneira descuidada com que trato objetos de desejo "de alguns milhares de reais", ainda que cafonas.
Mas nada é tão inofensivo assim como parece.
Apenas a vocês, meus amigos, alerto. Depois que as limpo em casa com um trapinho ligeiramente úmido, como me foi recomendado, as bolsas ganham estranha vida e na manhã seguinte como que me obrigam a usá-las e levá-las para sua vil diversão: revelar a nudez das pessoas até seus ossos ficarem expostos e mais além, na radiografia implacável de suas almas.

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