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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Crônica do dia

Texto da aluna Rosa Rinaldi sobre a comunicação e a expressão contemporâneas.

Fragmentos

“A liberdade consiste em se fazer
tudo o que não prejudica os outros”
(Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão)


Av. Rio Branco, quarta-feira às 14h30.
Paro para esperar o sinal e começam os fragmentos de informações, as mais variadas possíveis, e daí serem tão especiais.
Alguém ao meu lado diz “... mas já falei para você que não quero assim...”; do outro lado, uma voz feminina um tanto irritada complementa “... mas isso é tudo o que eu queria”, e risinhos... Aponto minha antena auditiva para trás, onde um homem forte e bem suado exclama para o mundo “... pô! Mas isso é sacanagem. Vai ou não vai querer? ...”
Assustada, olho para o lado de onde havia partido o primeiro contato e reparo que outras pessoas já se acomodaram no lugar e que, com pequenos aparelhos acoplados ao ouvido, trazem à baila as mais variadas discussões.
Torcendo para o sinal não abrir, mas preocupada com o acúmulo de pessoas, tento me concentrar para ouvir mais informações.
Não demora e novamente à direita uma jovem com todo jeito de militar na área do Direito reclama em altos brados “... mas o quê? Aquele juiz cafajeste não deu a liminar?”; penso assustada e com pena do pobre juiz que nem de longe imagina que está sendo seu trabalho discutido na av. Rio Branco e, sem que eu possa pensar muito, uma voz, que percebo ser de um rapaz bem jovem que havia se postado na minha frente, exclama “... pqp, o que ela pensa que é?”.
Rapidamente tento organizar meus pensamentos, mas não era um juiz que acabara de ser espinafrado pela moça, e então quem era a que pensava ser, mas não era?
Abre o sinal. Até parece música do Paulinho da Viola que narra o encontro de dois amigos no sinal de trânsito, e uma multidão vem ao encontro da multidão que vai, assim como eu, para simplesmente trocar de lado da rua.
Não é tão simples assim. A multidão que vem, na sua maioria, também fala ao celular e se entretece com a que vai no sentido contrário, e são muitos fragmentos de conversas que por vezes fazem sentido e formam uma teia, por outras despertam a vontade de tecer tal qual uma trama essa sequência de colóquios.
O que me assombra é que tornou-se muito fácil expor sua vida numa conversa de telefone celular, e tornar públicas todas as belezas e mazelas que se carrega.
A impressão que tenho é que nós não estávamos preparados para  o uso das novas tecnologias, e as gerações mais novas, já nascendo dentro deste contexto de falar tudo, com todos, em alto som em seus celulares, transformou nossas vidas em um grande drama popular, onde não temos nenhum pudor de falar publicamente em travessia de ruas, transportes coletivos, etc, os atos de nossa comédia de vida.
Não sou velha, sou antiga, e prefiro ainda uma conversa ao pé do ouvido ou um longo papo ao telefone com os amigos, espichada na minha poltrona predileta.  



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