Crimes contra a honra
Não cogitamos aqui dos fenômenos editoriais. A verdade é que a consagração intelectual se oferece da Europa aos Estados Unidos movida mais pela hegemonia das nações do que pela promoção da riqueza cultural da humanidade. Textos do Oriente e de um ou outro país da América Latina são promovidos pelo único Prêmio Nobel que fazemos questão de ignorar. Alguma injustiça havemos de cometer com essa afirmativa mas será por conta da generalização a que nos obriga o breve espaço desta crônica.
Na semana passada, fomos tocados pelo Sermão do Padre Antônio Vieira sobre a conduta moral do pregador, na leitura perfeita do Gabriel. Belos ensinamentos, os do Padre e os do professor.
Vieira relaciona a autoridade moral à honradez daquele que pretende influenciar seus ouvintes, trazê-los e conservá-los na verdade que proclama. Honra conferindo poder.
De fato, o vocábulo vem do latim Homos, nome do deus da guerra que inspirava coragem aos combatentes. Por consequência, a honra reveste de poder aqueles que, reconhecidamente, a ostentam. Não é por outro motivo que o conceito tem largo emprego social desde a Antiguidade.
Confundida com a Ética, seja na sua derivação cultural, seja no imperativo religioso, a menção à honra é sempre usada para designar o status de uma pessoa e muito frequentemente remete para além do valor pessoal. Visa-se afirmar ou negar prestígio, isto é, conferir ou retirar poder de um grupo ou de um indivíduo em particular.
A justificativa da carnificina entre povos primitivos ou até dos ditos "civilizados" foi sempre a de que os "outros" seriam homossexuais, bêbados, preguiçosos, covardes e ladrões, e suas mulheres, prostitutas. Nos dias atuais, os afrodescendentes levantaram a bandeira do "black is beautiful" para adquirir "black power" e os homoafetivos lutam para terem mais de cem direitos legais exclusivos dos heterossexuais.
De que maneira a sociedade tem mantido tamanha opressão? Desonrando-os. E a desonra vem sendo a arma mais eficaz de eliminação do inimigo, seja na forma da mesquinha maledicência ou na calúnia em escala mundial como na guerra suja que se travou contra o Iraque. Como as guerras química e atômica, esse meio de destruição é covarde e cruel. Covarde porque a difamação é usada por quem, julgando-se inferior ao seu oponente, comete um homicídio social contra aquele que sua razão enlouquecida julga ameaçá-lo. Cruel porque, ao longo da História, sabemos que as questões em torno da honra mataram mais pessoas que a Peste e causaram mais disputas do que o dinheiro.
Mas a Idade Média ficou para trás e estamos nos afastando da era Vitoriana e até do século XX na velocidade da luz. No século XXI, a bandeira da antiga moralidade sexual está rota e por terra.
Em meio aos excessos naturais, fruto da imaturidade no uso de uma liberdade desconhecida, os jovens em geral e as mulheres em particular experimentam o poder, antes privilégio viril, de usar seu corpo até então aprisionado politicamente.
Na disputa político-partidária, a difamação de cunho sexual apenas satisfaz nosso apetite inferior pelo escândalo que, uma vez saciado, é esquecido. No retorno à razão, a consciência pessoal e coletiva se volta contra os detratores. Covarde e pornográfico é quem divulga fatos retirados da vida particular de alguém para expô-los ao público com intenções criminosas, não a vítima que teve sua privacidade invadida.
No entanto, tal não se dá nas outras áreas de interesse coletivo como nos desvios do erário público trazidos à luz pela crescente transparência das contas governamentais. Nesses casos, a relação favorece o bem-comum e pode até ser premiada.
Por fim, e exemplificando: quem ousaria atacar o líder Martin Luther King ao vê-lo fazendo sexo na intimidade de um quarto de hotel? Que isso tem a ver com sua luta heroica pelos direitos civis? Por outro lado, que julgamento fazemos dos canalhas racistas que o chantagearam e assassinaram?
Diante de tantas variáveis históricas, sociais, antropológicas, de faixa etária, de gênero, etc, cabe perguntar: "onde reside a honra de uma pessoa?" E o verdadeiro humanismo do nosso tempo responderá: "somos o único juiz de nossa honra."
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