Hoje terminamos nossa semana com um excerto de uma tragédia grega - Édipo rei - em que a temática sobre a visão foi abordada na semana anterior. Nesta passagem, temos a fala do arauto quando Édipo, depois de saber que cometera o crime de matar o pai e casar-se com a mãe, fura os próprios olhos; ele que, no entanto, achava-se sábio e irritara-se com Tirésias, um vidente cego, no início da tragédia.
Édipo rei
Arauto: Por suas próprias mãos... O horror do quadro,
a vós, que não o vistes, será poupado;
mas eu, que o vi, dele não posso esquecer!
Desesperada ela entrou no vestíbulo
e correu para a alcova nupcial,
as duas mãos arrancando os cabelos;
bateu a porta atrás de si, com força.
Gritava - "Laios!" - chamando o marido
há tanto tempo morto, mas pensando
no filho que matou o próprio pai
e que da mãe teve monstruosamente
uma prole de infelizes...
Gemia contra o leito nupcial
onde, coitada, havia concebido
filhos do filho e era mãe do marido.
Como afinal morreu, não sei dizer:
entrou Édipo aos gritos, e vós, vendo-o
ir de um lado para outro, não chegamos
a observar a rainha até o fim.
Ele pedia uma espada e bradava:
- "Onde está minha esposa, que não é
esposa alguma, é um útero danado
que me pariu e pariu filhos meus?"
- Nessa alucinação, algum poder
(humano não, não foi nenhum de nós)
guiou-lhe os passos: num gemido horrível,
como se algo o empurrasse, atirou-se
contra as portas, rompendo as dobradiças,
e num relance entrou, e deparou
com a mulher enforcada,
um laço corrediço no pescoço...
Ao vê-la, num gemido sufocado
desamarrou a corda, e, quando o corpo
desmoronou no chão, o que se viu
foi mais um espetáculo de horror:
ele arrancou os alfinetes de ouro
da roupa da rainha, levantou-os
e os enterrou nos olhos, imprecando:
"Olhos meus, não vereis mais esta culpa
e esta vergonha, nunca mais vereis
quem não deveríeis ter visto nunca,
e para todo o sempre só vereis
as trevas!"
(...)
(Sófocles. Édipo rei. Tradução Geir Campos. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 128-9)
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