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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Crônica do dia

Terminamos a semana com a contemplação sutil do aluno Samuel Kauffmann sobre nossas sensações e pensamentos. Boa leitura!

Examinar e contemplar



"O verde do céu azul antes do Sol ir a nascer.
E o azul branco do ocidente onde o brilhar do Sol se sumiu.
As cores verdadeiras das cores que os olhos veem.
O luar não branco mas cinzento levemente azulado.
Contenta-me ver com os olhos e não com as páginas lidas."
                                               Alberto Caeiro


Cara leitora, caro leitor, nós percebemos tua admiração por iniciarmos com a poesia assinada por um dos codinomes de Fernando Pessoa.
O que pretende de nós o poeta? A princípio, é uma poesia que nos intriga. E isso é o que o poeta pretende. Ele faz uso das palavras, joga com as palavras. Induz-nos a pesquisar em que condições físicas e emocionais ele contemplou o fenômeno.
Se fôssemos nós as testemunhas vivas de tais fenômenos atmosféricos, teríamos o mesmo pensamento, o mesmo sentimento, o mesmo êxtase do poeta? Sim, é possível.
Então, tentemos nos colocar no lugar dele; pensar e sentir como ele. Ele que indicar a reflexão para o que é mais importante em nossas vidas. Será o esmiuçar os fatos ou nos preenchermos com a simples contemplação dos fatos acontecidos, que não têm como retornarem ou como serem modificados? Tal como afirmam os orientais: "o que aconteceu é porque tinha de acontecer." É uma questão de aceitação dos fatos consumados. Calma... Chegaremos lá!
Apreciar os fenômenos naturais, que sabemos terem explicação científica, porém, que por um instante somos arrebatados pela beleza ou pela violência, sem sequer termos um lapso de tempo para reagir, absorvendo-o por completo em nossas mentes, deixa-nos estáticos e maravilhados, nos integrando com a natureza, e inseparáveis dela. É a contemplação sem análise que nos contenta.
Se, por outro lado, não apreciamos por falta de oportunidade, mas lemos o que outro escreve, nos perdemos no espaço e no tempo dos exames mentais que nunca haverá de nos contentar, de nos preencher o vazio de nossas consciências. Isso porque o mais importante é sentir, preencher nossas emoções. É a vida em plenitude...
Por isso, o poeta termina com o verso em que afirma: - Contenta-me ver com os olhos e não com as páginas lidas. Porque, se antes de apreciar e introjetar, ele tivesse lido e elaborado em sua mente a beleza, nunca haveria satisfação em seu sensível espírito.
Por analogia, comparemos com os acontecimentos ocorridos no dia 20 próximo passado, nas planícies do meio oeste norte-americano, em que os humanos locais tiveram de enfrentar um dos piores tornados jamais ocorridos naquele território.
Os tornados são imprevisíveis, aleatórios; uma resultante de forças naturais em oposição; de duas frentes atmosféricas opostas em temperatura e pressão. Do norte se aproxima uma frente fria e do sul vem uma frente quente. Ao encontro destas duas frentes poderá ocorrer ou não o tornado. Se a frente quente for de massa maior, com possibilidades de se alterar durante o percurso, perder ou ganhar massa, com fortes ventos ascendentes, aí sim, o que poderia ser uma fortíssima ventania com chuvas transforma-se no tornado, com ventos concêntricos e ascendentes de altíssima velocidade. Um fenômeno terrificante e horroroso pelas consequências ao meio humano.
Talvez, por isso, andam afirmando que Mãe Gaia está reagindo.
E qual é a relação com o que antes estávamos a abordar?
É simples. por não estarmos presentes, experimentando o medonho, mas, tomando ciência pela mídia, teremos de realizar uma colossal lucubração em nossas mentes para vivenciarmos uma situação virtual, não real, sem possibilidades de sentir de fato o medo igual ao de quem lá estava passando por tudo aquilo, ou sendo vítima como o foram dezenas de crianças de uma escola primária.
Ler ou ver fotos ou imagens cinematográficas não satisfazem a humanidade em nós outros. Não nos contenta o espírito - este quer vivenciar. Pois o real é existir participando, ter o contato direto. De outro modo, continuamos frios, talvez com indiferença, sem sentimentos de culpa - embora não há que tê-la.
É exatamente isso que o poeta, muito sensível, quer nos alertar. O que poderá, sempre, nos contentar é ver com os olhos e não com as páginas lidas, cujo significado é sutilmente abrangente.
Pensamos que atingimos o âmago da questão proposta, sem necessidade de nos estendermos em demasia num campo que, antes de tudo, é o da contemplação.
Por isso, extasiem-se diante dos fenômenos naturais, que seja por um segundo, sem qualquer pensamento a ocupar a mente, que neste provável momento está contemplativa, meditativa.

"Não se preocupe em entender.
Viver ultrapassa todo entendimento.
Mergulhe no que você não conhece."
                            Clarice Lispector

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