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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Crônica do Dia


Continuando com mais um dia de postagem, temos o texto de Paulo Cunha que fala sobre o livro "A Negação do Brasil" escrito por Joel Zito Araújo que deu origem ao documentário de mesmo nome e que foi exibido dia 17 de agosto para os alunos da Oficina de crônicas da UNATI.  

A Negação do Brasil


A negação do Brasil - O negro na telenovela brasileira, do diretor e roteirista de TV Joel Zito Araújo, vai fundo no tema da exclusão do negro das tramas do horário nobre. Os negros fazem parte da teledramaturgia brasileira desde o seu início, mas sua imagem sempre foi estereotipada. 

Muito raramente - e só de uns anos para cá - ele interpreta o papel de um rico empresário, de um grã-fino, de herói. Nas novelas brasileiras, o negro (ou o mulato) é sempre o malandro cheio de ginga, que samba no pé. No fundo, passa uma imagem de desleixo, falta de responsabilidade ou mesmo de marginal, o que é altamente negativo para fixação do seu caráter. O autor narra como essa idéia surgiu e mapeia, com impressionante precisão, a trajetória do negro na teledramaturgia brasileira.

Mas a TV é apenas o espelho do preconceito e do que o autor chama de "a negação do Brasil", um país que nega sua própria realidade. A ausência do negro na TV ou sua imagem subalterna, quando aparece, são conseqüências de um preconceito racial gerado pela exclusão social das populações negras do país, as mais marginalizadas e que apresentam os indicadores sociais mais desfavoráveis - apesar de o Brasil ser um país miscigenado, com predominância negra. A obra mostra que, mesmo na sociedade brasileira atual, negros e índios "continuam vivendo as mesmas compulsões desagregadoras de uma auto-imagem depreciativa, gerada por uma identidade racial negativa e reforçada pela indústria cultural brasileira, a qual insiste simbolicamente no ideal de branqueamento", como pontua o autor, em uma passagem do livro.

Segundo ele, entre 1980 e 1990, houve algumas mudanças nesse pensamento, ainda que tímidas. A telenovela Corpo a Corpo, onde aparece uma personagem vítima de preconceito racial, Sonia, vivida pela atriz Zezé Motta. Essas duas décadas são consideradas pelo autor como um período de ascensão do negro na telenovela brasileira. No entanto, teria permanecido a construção de uma identidade de "branquitude" na sociedade brasileira, onde as imagens dominantes, em especial dos subtextos, reforçam o elogio dos traços brancos como o ideal de beleza dos brasileiros. A nossa diversidade racial e cultural transforma-se, nas telenovelas, no paradoxo de um Brasil branco.Por fim, o livro mostra, de forma contundente, que o lugar do negro nas tramas exibidas na televisão não mudou e que continua a se reproduzir no século 21. O autor consegue aproximar a televisão da sociedade brasileira. Analisa o papel da mídia na história da telenovela brasileira, mostrando como são representados os negros, e as conseqüências dessa representação no processo de construção de sua identidade. Os dados apresentados no livro são irrefutáveis. Os gráficos, quadros e dados estatísticos provam que a telenovela brasileira ainda não dá visibilidade à composição racial do país, praticando, assim, uma negação da diversidade racial brasileira.Joel Zito Araújo é cineasta, diretor e roteirista de TV, além de doutor em ciências da comunicação pela ECA-USP, onde participa do Núcleo de Pesquisa de Telenovela. Sua relação com a questão do racismo vem de longa data. Realizou, a partir de 1984, 24 documentários e 22 médias metragens, sempre tratando das relações do negro na sociedade brasileira. Em 2000, dirigiu o documentário A negação do Brasil, sobre a participação de atores negros na televisão, que depois virou o livro ora em comento. Seu último filme, Filhas do Vento, também sobre o tema racismo, foi protagonizado pelos atores Milton Gonçalves e Thaís Araújo.


terça-feira, 30 de agosto de 2011

Crônica do Dia

A crônica da aluna Honorina traz à tona duas questões muito complicadas: o racismo e a intolerância religiosa. Pensemos no assunto!

O racismo e a intolerância religiosa

O racismo e a intolerância religiosa sempre estiveram presentes na história do nosso povo, e também no mundo. Porém, o racismo brasileiro é perverso na forma como se apresenta. Mas as máscaras estão caindo, à medida que avançamos em ações afirmativas e políticas públicas; mas no campo da intolerância religiosa ainda estamos bem vagarosos, os intolerantes racistas de plantão não abrem mão de seus princípios segregadores ancorados em doutrinas religiosas e radicais.
"A intolerância religiosa é o novo racismo." O aumento do nacionalismo religioso, a marginalização econômico e os abusos das leis antiterroristas estabeleceram uma pauta crescente de perseguição religiosa, e que fazem frente regularmente a ataques, detenções, torturas e restrições de suas liberdades fundamentais em todos os continentes.
Espero que haja bom senso entre os povos na religião e no controle do racismo e também do bullying. O que será da nossa nova geração que ora está se formando? Só Deus...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Iniciamos nossa semana com a crônica da aluna Stella, tocando em um assunto muito importante: a Educação.

Telenovelas

Elas são muito importantes, já que muitas pessoas as assistem. Os autores deveriam sempre, ao escrever, enfocar um assunto relativo a preconceito. Alguns já o fazem e, assim, aos poucos, seríamos educados a não ter preconceito (religioso, étnico, de status, etc.).
Acredito que a Educação deveria ser a meta principal, tanto em casa, quanto na escola e na sociedade em geral. Deveria começar assim que o bebê tivesse uma mínima noção social.
O ser humano tem de entender que ele é único no universo, mas os "outros" também o são. A Educação de base não existirá se não houver limites e, desde criança, há que se ter consciência de que a nossa liberdade termina onde a do vizinho começa.
Tenho certeza absoluta e estou convicta de que todos os grandes problemas da humanidade teriam de ser combatidos com Educação. Esta não poderia nunca ser propriedade de uns poucos. Teria de ser pública e deveria ter 100% de qualidade. Se isso acontecesse, garanto que a Saúde, a Segurança e tudo o mais, iria para um nível mais elevado, positivamente.
O problema é que vozes mais "altas" clamam por poder, por dinheiro e o egoísmo inato ao homem rege a maior parte de suas ações, surgindo, então, a impunidade, a corrupção e a "politicagem". Sim, porque política mal feita leva à politicagem , que, para mim, é uma palavra pejorativa.
Para concluir meus pensamentos e ideias, gostaria de expressar aqui uma teoria de Cristovam Buarque. Ele sempre diz que, para a escola pública voltar a ser o que era há cinquenta anos atrás, todos os políticos eleitos        por nós deveriam ser obrigados a colocar seus filhos nela, e, portanto, não deveria haver escolas particulares.      

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Para encerrarmos nossa semana, temos hoje o texto da aluna Honorina que trata de um assunto muito debatido por todos e que cada vez mais tem estado presente em vários ambientes. REFLITAM!   

O Bullying escolar

Eu vejo como uma epidemia psicossocial e pode ter consequências graves. Às vezes um simples apelido inofensivo pode afetar emocionalmente e fisicamente o alvo da ofensa. As crianças e os adolescentes que sofrem humilhações racistas e difamatórias podem ter queda no rendimento escolar, aumentando o sofrimento em doenças psicossomáticas e sofrer de algum tipo de trauma que influencie traços de personalidade. As vítimas ficam isoladas e reclamam de alguma dor física, justamente na hora de ir para a escola. 
O bullying sempre existiu. Quando éramos crianças lá no interior, nós sofremos o bullying, só que naquele tempo não conhecíamos o seu significado. Aconteceu quando ficamos de luto pela morte da mamãe. Fomos chamados de urubus, que me lembro, foi a única vez que aconteceu. 
Agora com a internet e a televisão, os apelidos pejorativos foram tomando várias proporções, e que às vezes geram consequências trágicas, como morte e suicídio, e a falta de impunidade fez com que o tema fosse tratado de forma séria. Muitas vezes a depressão, baixa estima, ansiedade, abandono aos estudos  são as características mais usuais das vítimas, ou seja, o bullying é na prática uma exclusão social, e costumam ser as vítimas pessoas retraídas ou inseguras, pois se sentem desamparadas e com dificuldades de aceitação. E as agressões podem ser de aspectos culturais, étnicos e religiosos. Se elas não forem trabalhadas psicologicamente tanto no agressor como na vítima, isso vira um desastre; todos precisam de ajuda, paar no futuro,  não tomarem atitudes violentas, tornando-se delinquentes e criminosos. Eles precisam de muita compreensão e ajuda de todos nós.                                                    

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Continuando hoje a semana de Preconceito/Intolerância, temos a crônica da aluna Ney Bretas Neves, que nos fala de muitas de suas esperanças com relação ao povo. REFLITAM!


Esperança é a última que morre


A minha volta procuro sempre observar as necessidades que andam lado a lado com meu cotidiano. Queria eu poder ajudar a cada um que estendesse a mão. Qual o que não tenho como fazer satisfatoriamente. Só posso falar que tudo está mal dividido, muitos com tanto, outros sem nada.
Observo as comunidades: Há creches e trabalhos comunitários, mas não atende devidamente a todos aqueles que precisam urgentemente de ajuda. Sabemos de trabalhos sérios que são sempre mostrados com crianças que praticam todo tipo de esporte, balé e música. Mas, isso é uma minoria. Existem muitas dessas que não tiveram oportunidade de ter amor e educação orientada, então se enveredaram para o vício, maternidade precoce ou para a marginalidade social.
As religiões também dão seu quinhão (Católica, Evangélica, Espírita e outras formas de ajudar), tentam alimentar (sopão), vestir (cobertor aos desabrigados, colocar em abrigos e dar orientação religiosa para todos não retornarem a vida anterior). Mas, não conseguem. Minha esperança é que todos tenham melhores oportunidades: Como trabalho, moradia, educação, saúde, paz, alegria. Como poderemos ter as necessidades mais obrigatórias para o ser humano viver dignamente? Se nossos governantes não olham verdadeiramente para a situação atual do estado do nosso país. Estão na luta do poder, desmoralizando uns aos outros, querendo tirar mais vantagens do que o outro. Sempre conseguem verbas para executar os benefícios esperados, saúde, educação, etc..., mas em vez disso, desviam, usam para eles próprios. Também desviados para outras pessoas, por exemplo, receber pensões de pessoas falecidas, bolsa família e mais inúmeras falcatruas. 
Existem serviços de atendimento bem direcionados para atender às comunidades, Clínica da Família, UPAS, UPPs. Com instalações bem adequadas, mas com falta de profissionais e os atendimentos precários, como mostram os noticiários. 
A esperança é a última que morre. Frase que dizemos, e esperamos que um dia seja verdade. 
Espero ter me expressado de forma que compreendam como me sinto. Queria poder fazer e não falar tudo que tenho foi com muita luta, mas sei que muitos, nem a oportunidade de lutar tem. Espero em Deus que um dia mesmo que não veja, possam aqueles com fé e esperança conseguir galgar moradia, educação, saúde, fatores primordiais para o desenvolvimento humano.

Ney Bretas Neves                                                                      

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Crônica do Dia

A aluna Maria Lúcia nos fala de como ela pensa que através da reflexão científica podemos resolver os problemas de preconceito e intolerância da humanidade.

A cerca

No início dos tempos não havia cerca. A cerca é que nos fez com pensamentos e comportamentos diferentes. Dentro do cercado, o homem se faz forte ou fraco, isso porque o medo sempre o rondou com a incompreensão da morte. O "forte" criou a alma, o pecado, as justificativas para os fenômenos meteorológicos e terrestres, fazendo, assim, aparecer as religiões.
Em cada cercado, estes temas são explicados de maneira diferente, até classificam o homem com alma e o homem sem alma.
Criaram muitas diferenças onde não existe nenhuma. Parece que todos esquecem que aquele ser que surgiu na África, há milhões de anos, baixinho, pretinho, está na origem de todo Homo Sapiens, seja branco, preto, amarelo... Essas variações são explicadas e comprovadas através das mutações ocorridas no DNA, ao longo dos anos e nos dizem também que somos todos iguaizinhos e bastante parecidos com outros animais, nossos primos.
A diferença que causa tantas brigas é a diferença entre ricos e pobres.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Com o mundo fervilhando de casos de homofobia, xenofobia, intolerância religiosa, racismo e violências de várias formas que surgem por uma espécie de incapacidade de conviver com o outro, resolvemos abordar esses temas na Oficina de Crônicas, à luz do ataque terrorista na Noruega, no mês passado, e do racismo, dentro do nosso próprio país. A aluna Stella Muehlbauer dá suas contribuições e visões para a compreensão da situação.

Preconceito

Infelizmente o preconceito existe, espalhado neste mundo a fora, e apresenta-se nas mais diferentes e diversas formas: religião, raça, opção sexual etc. Tudo que não aparece na forma usual, "quadrada", torna-se objeto de preconceito e gera a intolerância:
Católico x Protestante
Judeu x Palestino
Rico x Pobre
Heterossexual x Homossexual
E assim tudo é motivo para brigas, guerras, divergências e palavras ferinas.
Para mim, raça não existe. O que existe é o ser humano bom ou mau, caridoso ou cruel, sincero ou não.
Se formos procurar, sempre acharemos diferenças, e como seria bom que os homens se aceitassem e tivessem a capacidade de se transformar para poder haver proximidade entre todos!
Há um sentimento que gera todos esses problemas preconceituosos: o fanatismo.
Devemos procurar não ser fanáticos em nenhum dos segmentos de nossas vidas: seja no trabalho, no estudo, no lar, na religião, enfim, olhar sempre para o outro ser, tentando entender as diferenças.
O mundo seria melhor, os sentimentos seriam reais e viveríamos em paz, que é a lei mais universal que existe.
"Não façam aos outros aquilo que não quiserem que façam com vocês."

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Crônica do Dia

A aluna Ney nos relata a boa lembrança e sentimentos que o avô lhe deixou.

Carinho e afeto...

Lembro que, quando menininha, morava com meu pai e minha mãe na casa de meus avós maternos.
Vida difícil, que não percebia por ser uma criança. Problemas não faltavam, mas, mesmo assim, eu era feliz com o afeto que meu avô me dava. Mesmo durão com todos, ele encontrava tempo para me dar carinho.
Todas as noites, quando chegava, ia tomar banho, depois jantar a comida muito gostosa que vovó fazia. Ficava a esperar uma brecha para me aproximar e filar umas garfadas de seu prato. Vovô sabia da minha vontade, dava uma piscadinha e lá ia eu me encostando do ladinho dele; eu sempre fazia isso, mesmo contra a vontade de minha mãe, pois quando percebia me tirava correndo dali. Não ficava nem um pouco chateada, às vezes ia até rindo do acontecido, pois sabia que no outro dia eu ia fazer o mesmo.
Homem alto e forte, era assim que via meu avô com seu cabelo grisalho, tinha aparência cabocla, ouvia dizer que ele era descendente de índio, nunca soube ao certo.
Passada a hora do jantar, ia ele para a cadeeira de balanço, ligava o rádio para ouvir a Ave Maria, a Voz do Brasil, o Repórter ESSO, depois cantigas sertanejas, pois meus avós vieram lá das Minas Gerais. Tinham saudade da roça, onde não conseguiram ficar, e vieram tentar a vida sacrificada da Cidade. Mesmo assim, ele conseguia ser o patriarca e amigo. Neste momento, ia outra vez me aconchegar no seu colo, e, no balanço da cadeira, adormecia, às vezes não tinha nem tomado banho. Mamãe aborrecida, mais uma vez, me tirava daquele colo gostoso, me colocava na cama onde dormia junto de minha irmã mais nova.
Sei que muitas vezes ele pedia para mamãe, "deixa a menina comigo", ela falava, " ela tem que dormir na cama". Isso ele me contava quase sempre quando conversava comigo, tentando explicar que ela queria também o meu bem. Velho e sábio, ele entendia os problemas de meus pais e meu apego por ele.
Meu avô me ensinou a querer bem às pessoas, me ensinou a ter fé, foi meu amigo mais afetuoso. Sou assim do jeitinho que ele me mostrou, sou muitas vezes durona, mas tenho muito amor para dar.
Espero ter passado para vocês, colegas e professores, que, apesar de todas as dificuldades de uma pessoa, sempre há um anjo, como meu avô, para ensinar a modelar bons sentimentos num ser em crescimento.
Vovô, espero que, onde você estiver, escute esta homenagem em agradecimento pela pessoa que plantou em mim. Deus o abençoes.

Ney Bretas Neves 

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Hoje temos uma crônica muito especial, nela as memórias de infância do aluno Samuel trazem duas pessoas muito importantes para ele: os avós. Aproveitem a leitura e emocionem-se! 

Meus amados avós

Participei de uma reunião em que se expunham as relações humanas no âmbito familiar, principalmente direcionada para a figura dos avós. Permaneci em silêncio, tomado de surpresa pela questão levantada, procurando lembrar-me do meu convívio com o meu querido e saudoso vovô materno, bem como com a minha meiga e carinhosa vovó. Não tive a felicidade de conhecer os do lado paterno, porque meu pai ficou órfão ainda criança.
Residi com eles durante a minha infância até aproximadamente uns nove anos de idade, ou até dez anos incompletos. Depois mudamos para outra rua na mesma cidade. Por mais uns dois anos, eles ainda continuaram morando na mesma cidade, antes de se mudarem aqui para o Rio de Janeiro. Nós continuamos residindo naquela cidade por mais três anos, até que o meu pai decidiu tentar a sorte por aqui.
Meu contato físico com os meus avós começou a escassear por estarmos morando em ruas diferentes. Daí a dificuldade de lembranças vívidas. Memórias de momentos comuns e corriqueiros e diários são as mais difíceis de se reter. Porém, quando ocorre um movimento turbulento nas relações humanas, é que retemos em nosso emocional as lembranças, sejam essas memórias de acontecimentos felizes ou não. Talvez , se não fosse um egocentrismo natural durante o meu desenvolvimento, teria recordações bem mais nítidas das que neste momento me ocorrem com dificuldade.
Da vovó, recordo-me de sua figura bondosa e sempre preocupada comigo, seu neto primogênito muito arteiro. Ela tinha dificuldade de comunicar-se com outras pessoas, por não ter tido facilidade de aprender português - falava bem o polonês. No entanto, nós conseguíamos nos entender em tudo o que envolvia minhas necessidades básicas. Muito religiosa, seguia um rito na alimentação. Somente comia carne das aves abatidas por um senhor, também religioso. Eu, sempre que tinha oportunidade, observava como aquele homem matava as aves, que eram criadas no quintal. Comecei a ponderar, por falta de entendimento mais profundo, que as pobres aves sofriam muito até que morressem. E tanto falei e argumentei, em minha inocente ignorância, que resolvi eu mesmo matar uma das aves a ser preparada para o almoço. Tomei uma machadinha e decepei a cabeça da ave, que saiu correndo por alguns metros, sem a cabeça, para espanto geral da família presente, e, particularmente, para o meu próprio terror - para aquela cena tétrica eu não estava preparado. Aquela galinha não foi aproveitada na cozinha da vovó - foi dada à cozinheira para levar para casa. Fora esse acontecimento,  recordo-me da vovó em finais de semana rezando todo o livro de Salmos, em um único dia - era sua única ocupação aos sábados.
E quanto ao vovô? Como a maioria dos europeus, era um tanto fechado, pouco dado a manifestações sentimentais. Contudo, em relação a mim, sentia da parte dele um grande afeto, com certeza por ser o neto mais velho. Nas noites quentes de verão, ficávamos no jardim até um pouco mais tarde. Ele, sentado numa cadeira de balanço, modelo austríaco de madeira vergada, colocando-me em seu colo, cantarolava canções melodiosas em russo, ou dava aulas de Geografia e História, assuntos de seu máximo interesse, era um autodidata. Fazia um esforço intelectual para responder às minhas perguntas com a maior clareza que lhe fosse possível, até que eu dissesse: "estou entendendo". Talvez seja por isso a minha preferência por tais matérias e também pelas canções russas do século XIX. Tais influências ficam agregadas em nosso subconsciente.
Recordo-me dos jantares na semana da Páscoa, com a família reunida, ele lendo a Bíblia, narrando o Êxodo - e com que seriedade, como se nós também tivéssemos participado daquele acontecimento milenar. Era um jantar seguindo uma ordem de serviço, de grande beleza e pratos especiais. Nestas noites, ele permitia que eu bebesse um pouco de vinho doce. A baixela, os pratos e os talheres, que ele conservava com máximo zelo, eram exclusivos para tais noites. Era um homem bondoso e caridoso, apesar de o meu pai o acusar de jogador viciado - bem, ninguém é perfeito.
Certa feita, eu entrei de surpresa em seu escritório, encontrei-o segurando algumas cartas que chegaram do exterior, pouco após o término da Segunda Grande Guerra - lágrimas corriam pela sua face. Narravam o desaparecimento de parentes bem chegados. Não me disse nada além disso - guardou em seu íntimo a dor que lhe sufocava, evitando que eu me envolvesse com tais assuntos, que estavam além do entendimento de uma criança. Foi zeloso com os meus sentimentos infantis. Sempre que possível, orientava-me sobre a vida, o meio ambiente, cuidados com a natureza etc. Um dia, ao ver-me jogando fora folhas de papéis pautados, já escritos no anverso, com o verso limpo, disse, com a seriedade que lhe era peculiar: "Neto, isto que tens em tuas mãos já foram árvores vivas. Não desperdice; use o outro lado do papel." Até hoje, não deixo de usar os dois lados das folhas, seja à mão ou na impressora. Quando sobrava pão do dia anterior, ele cortava em rodelas bem finas para fazer torradas - que nós aproveitávamos no lanche da tarde, degustando-as com manteiga.
Eu era um neto travesso, como disse anteriormente. O vovô era um mascate. Num dos últimos invernos em que ainda morava com ele, fiz mais uma travessura imperdoável. Estavam guardados no escritório muitos sobretudos de uso feminino. Eu estava envolvido com jogo de futebol de botões. E os botões daqueles sobretudos eram feitos de osso ou chifre - que eram os melhores para serem preparados para o jogo. Aproveitando-me de sua ausência durante o dia, retirei alguns botões de vários tamanhos - um ou dois de cada uma das vestimentas. Para falar a verdade, foi cometido um roubo que prejudicou a apresentação da mercadoria. Rapidamente descobriram o autor do pecado. Apesar dos meus temores, não fui severamente censurado pelo avô, mas sim pela mamãe. Após os sermões diários e períodos de castigo, fui perdoado por todos - e nunca mais repeti a façanha, bem como deixei de jogar futebol de botões.
Depois de crescido, na adolescência e na juventude, fui me afastando do convívio dos meus avós. Não diria ser uma indiferença, pois continuava amando-os, respeitando-os; buscava sempre o vovô para os conselhos e lições de vida, que a sabedoria acumulada em sua existência me proporcionava adquirir; por minha vez, esses conhecimentos vieram auxiliar-me no amadurecimento através dos anos vividos. Hoje, lembro-me dele com quase veneração, agradecido ao Universo por tê-lo conhecido.
Meus filhos não receberam a graça de ter conhecido o bisavô e a bisavó.

Samuel Kauffmann

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Hoje temos para mais um dia de criança, a crônica da aluna Stella, contando suas peraltices da infância. Divirtam-se!  

Minha infância: Desabafo 

Minha infância foi tranquila. Embora no exterior o mundo desabasse e explodisse com a segunda guerra mundial.
Morávamos no Rio de Janeiro, naquele tempo Distrito Federal, numa casa grande com um quintal também grande, onde meu avô, o dono, como um bom português, plantava todas as espécies de árvores frutíferas que eu conhecia.
Eu e minha irmã brincávamos de balanço com os galhos de um pé de tamarindo. Subíamos nas goiabeiras, nas mangueiras e outras árvores, e colhíamos todas as pitangas, jabuticabas, jamelões, ameixas, direto e íamos comendo até empurrar com o dedo pela goela a baixo. No dia seguinte, não se ia a escola, pois o aparelho digestivo não aguentava.
Meu avô, com aparência moura, tinha uma voz forte, que nos assustava, mas a lembrança que tenho dele e de minha avó é a melhor possível, pois, qualquer que fosse a travessura, eles sempre nos defendiam, tivéssemos razão ou não. Lembro-me bem de que, quando minha mãe ralhava, eu corria para vovó. Ela, mesmo dando razão à mamãe, acrescentava com um sorriso carinhoso e cúmplice:
__Stellinha, não devias ter feito isso, mas vem cá. Tenho um docinho de pera de que tanto gostas, e espera aqui até os ânimos acalmarem...
Ah, o docinho de pera... Nunca mais comi igual.
Meu pai e minha mãe foram bem casados, durante mais de quarenta anos, o que hoje raramente se vê. Minha mãe era "disciplinadora", mas usava mais as palavras do que o chinelo. Bastava um olhar seu e eu e minha irmã já entendíamos o que ela queria dizer...
Fui muito tímida, mas fazia minhas peraltices. Era, porém, minha irmã gêmea, quem puxava o "cordão das artes" e eu ia atrás. O interessante dos nossos temperamentos é que nos complementávamos e sempre nos entendemos muito bem, apesar de sermos completamente diferentes uma da outra, em todos os aspectos. 
Pelo fato de ser muito tímida, só quando comecei a trabalhar e fazer minha faculdade à noite, é que mudei. Sou hoje uma senhora idosa extrovertida que conserva boas lembranças da infância.
Se me perguntarem hoje, diria que não gostaria de voltar à infância, pois a timidez atrapalhou. Só comecei a viver e usufruir da vida, depois dos vinte anos. 
E começar de novo, não. Só em uma próxima vida e que eu venha uma criança mais extrovertida.             

Stella Muehlbauer

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Continuando a nossa semana da infância, temos a crônica do aluno Rubim Fortunato, falando sobre a sua vida de criança passada nos Estados da Bahia e do Rio de Janeiro. Divirtam-se!  

Minha Infância

Nasci em Ilhéus, Bahia. Da época em que lá vivi, guardo poucas lembranças: Uma delas era o cheiro do cacau moído que vinha do Porto, que era a riqueza da Cidade. 
Da Capitania fundada no século XVI creio que nada resta. 
Embora não me recorde, sei que meu pai me levava para a praia (Copacabana) e como eu era o caçula, filho temporão, sendo meu irmão mais velho do que eu nove anos, gostava de me exibir para as pessoas.
Com dois ou três anos viemos morar no Rio, quase sempre em casas. Delas, a que mais tempo ficamos, foi no Rio Comprido. Era um casarão, com porão, e curiosamente, o banheiro ficava embaixo. 
Nela passei grande parte da minha infância. Meu pai, embora  não tivesse curso superior, gostava de ler e estava sempre a par dos acontecimentos que se desenrolavam no Brasil e no Exterior. Então, passou para os filhos o gosto pela leitura.
Minha infância foi agradável: Tinha brinquedos como patins e outros que ele me dava mesmo eu não os querendo. Ganhei uma bicicleta, na qual não consegui andar, pois o instrutor era ele, cujo o comando me irritava. 
Um fato que me vem a lembrança, foi a ida à exposição sobre o Estado Novo, em que me perdi, mas fui encontrado porque eu era muito esperto, conhecia o nome dos meus pais e meu endereço.
Da época lembro-me da Segunda Grande Guerra Mundial com racionamento de carne, falta de trigo e dificuldade com o abastecimento do açúcar que vinha do Nordeste, cujos navios eram alvos dos submarinos alemães.
Meu armazenou tantos sacos de açúcar no porão que não havia dificuldade para nós termos o seu abastecimento. O problema, porém foi que os sacos que eram de papel endureceram e só com machadinha conseguia-se pulverizá-los.
Aprendi a ler muito cedo e frequentei escolas particulares. 
Acho que minha infância terminou quando fui mandado para um colégio interno em São João Del Rei, administrado por Frades Franciscanos Holandeses.                               

Rubim Fortunato 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Para começar a semana falando sobre infância, voltamos a ser criança com a crônica da Aluna Isaura. Divirtam-se com as brincadeiras por ela narradas!


           Brincadeiras em família 


Lembro-me sempre com muitas saudades de minha mãe.
Mesmo com tantas dificuldades para nos criar sozinha, trabalhando tanto, encontrava um tempo para brincar conosco. 
Uma das brincadeiras de que gostávamos, era a seguinte: Meu irmão segurava uma das pontas do lençol e nós cinco e inclusive minha mãe segurávamos a outra ponta. puxávamos para um lado e ele sozinho ganhava sempre, depois ríamos muito e com isso, perdíamos as forças. 
Lembro também que ela colocava um lençol ou colcha e fazia de cortina de palco. Então, representávamos e cantávamos também e minha mãe aplaudia suas artistas. Ela gostava de cantar. Cantava músicas de Vicente Celestino de quem era fã, e cantava também em árabe e nós a aplaudíamos.
Ao terminar as apresentações, rezava a Ave Maria e o Pai Nosso em árabe. 
Enfim, pouco tenho para lembrar de brincadeiras com minha mãe. Meus avós não conheci. Mas mesmo assim, fomos uma família unida e continuamos assim, pois a base é a união. Desde a infância, mamãe foi o nosso porto seguro e só nos deu bons exemplos, até o fim dos seus dias. 

Isaura     
                  



    

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Conto triste do aluno Rubim Fortunato. Chuva de águas do céu e de lágrimas dos olhos de Adelaide...

A chuva

Chovia muito. Adelaide, sentada na sua poltrona preferida, olhava a água escorrendo pela vidraça da janela. Lembrava-se de outra época. Menina, ainda, saíra da fazenda onde morava com seus pais para estudar na cidade, ficando na casa de seus avós maternos. Terminado o curso fundamental, voltara para casa.
Desistira de frequentar a Escola Normal, pois conhecera Raul, rapaz simpático, funcionário da Caixa Econômica. Pretendiam se casar; logo já ficaram noivos.
Naquele fim de semana, ela esperava, ansiosamente, a chegada de Raul.
Chovia muito forte, o que era preocupante, pois o riacho que corria na entrada da fazenda costumava encher e até transbordar.
O tempo corria e nada de Raul. Adelaide, inquieta, olhava pela janela e nada dele. Pensamentos lhe vinham à cabeça: será que a ponte de madeira resistiria àquela tromba d'água? O carro em que ele vinha conseguiria passar?
Então, um peão correu para a casa grande, avisando que a ponte caíra e que havia um carro sendo levado pelas águas. Começaram as buscas e, finalmente, encontraram Raul, já morto, afogado.
Para Adelaide a vida acabara. Voltou para a cidade, nunca se casou. Trabalhava numa farmácia, cujo dono era seu tio.
Naquele domingo contemplava a chuva e recordações dolorosas vinham à sua mente. Tarde triste... 
 

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Delicioso conto do aluno Aldo Raposo Neves, que relata o caminho, difícil e alegre, do romance de Giovanni e Verônica.

Um caso de amor na terceira idade

Giovanni aposentou-se com setenta anos; ele tem estatura elevada, cabelos brancos bem penteados, saúde de ferro, rosto vermelho e sem rugas. Ficou viúvo dois anos antes de se aposentar. A família se resume aos três filhos casados (uma mulher e dois homens), quatro netos adolescentes, um genro e duas noras. Quando parou de trabalhar, sua vida ficou monótona. Não visitava, há muitas décadas, seus familiares italianos que moram em Nápoles; da mesma forma, não tinha contato com os parentes baianos de sua falecida esposa, Maria das Dores, a Dorinha. Depois da morte dela, transferiu 50% dos seus bens para os descendentes diretos. Durante o processo de inventário, foram muitas as brigas com os filhos, que disputavam os melhores imóveis. O resultado dessas desavenças é que não se falam e, somente duas vezes por ano, vêm visitar o velho pai: no Natal e na data do seu aniversário. Esses encontros são constrangedores, pois funcionam como se fossem catarses (purgação e purificação de sentimentos e emoções). Exceção deve ser feita para Laura, sua filha, que faz as compras do mês e que, uma vez por semana, telefona para saber se está tudo bem.
Ele trabalhou no ramo de restaurantes, ficava o dia todo fora de casa e, por isso, não participou da criação dos filhos. Dorinha cuidava de tudo: fazia compras, ia às reuniões de pais, comprava roupas para as crianças, comparecia nas festas infantis dos amigos das crianças, ajudava nos deveres de casa e saía de férias com os filhos, nos meses de Janeiro e Julho. Ela era o esteio da família e também ajudou muito na criação dos netos. Giovanni se arrepende de não ter participado dos momentos importantes na vida dos filhos e netos.
Sua renda mensal é proveniente de imóveis seus, que permanecem alugados. Tem bastante conforto num apartamento de quatro quartos, situado de frente para a praia de Copacabana. Três vezes por semana, a antiga empregada, Conceição, vem lavar e passar roupas, arrumar a casa, fazer o almoço e o jantar. Nos demais dias ele faz as refeições no restaurante da esquina.
Conversava, diariamente, com os porteiros e com os "amigos" de um botequim próximo e vivia solitário, na companhia de um gato. Aliás, só percebeu que não tinha amigos verdadeiros quando se aposentou. Todos conheciam o empresário dono de restaurantes e imóveis, mas ninguém conhecia de perto o ser humano Giovanni, nem mesmo os três filhos. Ele mesmo mantinha certa distância dos seus funcionários para não criar intimidades. Sempre trabalhou muito para dar conforto para todos, mas, na realidade, ele era visto pela família apenas como provedor. Os filhos estudaram nos melhores colégios do Rio de Janeiro e em países da Europa, tudo pago por ele, mas ninguém reconheceu o enorme esforço que foi, para ele, construir o patrimônio familiar.
O destino traz acontecimentos ruins e bons. Começou a ter dores decorrentes de bursite e tendinite, que dificultavam os movimentos dos dois braços. O médico receitou 30 sessões de fisioterapia, a serem aplicadas em dias alternados. Foi aí que surgiu, de repente, Verônica, mulher de 35 anos, com um metro e setenta de altura, corpo bem torneado, olhos que sorriam, cabelos negros e um lindo rosto.
No início, os dois mantinham um relacionamento de paciente e terapeuta. Com o passar dos dias, o coração italiano se apaixonou pela maciez da pele e pela beleza de Verônica. Ele passou a convidá-la para jantar em restaurantes caros. Ela sempre recusava, para não misturar trabalho com aproximações amorosas. Mas Giovanni era persistente e começou a mandar rosas e bombons para sua amiga. Ela finalmente cedeu e, a partir da décima quarta sessão de fisioterapia, começaram a fazer refeições juntos e ir, com frequência, ao teatro ou cinema... O paciente melhorou com apenas quinze aplicações de fisioterapia. Entretanto, escondeu a melhora para não perder os momentos agradáveis de convivência. Na décima sexta aplicação, a empregada chegou de repente na sala e surpreendeu Giovanni acariciando o rosto de Verônica e aproximando-se para uma troca de beijos. A empregada Conceição se afastou e não resistiu à tentação de contar, por telefone, as novidades para a filha do dono da casa: "Seu Giovanni está muito diferente, está sempre feliz, caminha na praia todos os dias, escuta, com frequência, músicas românticas italianas e me surpreendeu, namorando a fisioterapeuta, na sala".
A revelação foi muito forte. A filha telefonou para os irmãos e marcou um encontro de surpresa, na casa do pai, no dia seguinte, às 20 horas.
O pai ficou surpreso, quando o porteiro avisou pelo interfone a visita dos três filhos, que chegaram juntos. Foram essas suas palavras: "Entrem. Sejam bem-vindos à nossa casa! Eu só estranho vocês, que sempre brigam, estarem juntos para falar comigo. Devo estar atento, pois a proposta não deve ser boa para mim". Sentaram-se à mesa e ele foi "atacado" com afirmações de que deveria acabar o namoro, que a fisioterapeuta era uma aproveitadora, que só desejava seu dinheiro e seus bens, e que havia grande diferença de idade entre os dois. Afirmaram que deveria procurar outro fisioterapeuta, de preferência um homem. Ele ouviu tudo calado e disse, após os "ataques", que ninguém mandava no seu coração, que já não aguentava mais a solidão e amava Verônica. Reclamou que eles nunca o visitavam, nunca seus netos adolescentes o procuravam, nunca os filhos o chamavam para ir às suas casas. Finalizou afirmando que iria jantar com os pais da sua namorada, e que ficariam noivos. Mostrou, em seguida, as alianças de noivado que comprara. Foi uma ducha fria nos filhos, que se surpreenderam com os acontecimentos. Giovanni afirmou que não admitia réplicas, que a vida era dele e que já estava atrasado para o encontro com a namorada, que residia no Grajaú. Levantou-se, abriu a porta e convidou-os para sair. Despediu-se com um beijo na filha e um aperto de mão nos filhos.
O casal viveu tempos de amores e alegrias. Ele sempre muito cavalheiro, tratava a família da noiva como se fosse sua. Passou a ser um grande amigo do seu futuro sogro e tornou-se uma pessoa alegre e comunicativa. Não esquecia os antigos amigos e era visto, com frequência, conversando com os porteiros ou no bar da esquina. Os filhos ligaram várias vezes, tentando, inutilmente, demovê-lo do relacionamento. Marcaram encontros em restaurantes, no centro da cidade, para tentar fazer com que desistisse do noivado. Tudo em vão! Quanto mais insistiam, mais forte se tornava o amor entre eles.
Casaram-se um ano e meio após o noivado, com a presença dos parentes da noiva e dos porteiros e amigos de bar. Os filhos e parentes próximos do noivo, embora tenham recebido convite, recusaram-se à comparecer às bodas.
O tempo passou e o amor entre eles continuou cada vez mais intenso. Como sempre estava bem do coração, passou a usar, com frequência, viagra, similares e genéricos, para "apimentar" a relação com sua mulher. Viveram muito felizes, durante anos, no apartamento de Copacabana. Eram amantes e amigos.
Aos 85 anos, registrou em cartório um testamento com a partilha de seus bens entre sua esposa e os três filhos, com vistas a evitar futuras brigas entre irmãos por causa dos bens. Quando Giovanni já tinha 93 anos, teve um fulminante ataque cardíaco. 
Os filhos e netos compareceram ao velório. Verônica, já com 55 anos, chorava desesperadamente a perda do grande amor de sua vida. As pessoas que chegavam perto dele, observavam que sua fisionomia estava tranquila e apresentava nos lábios um sorriso maroto de felicidade.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Crônica do Dia

A aluna Stella Muehlbauer compartilha com a gente as suas impressões e indagações sobre um futuro que ainda não sabemos se já chegou ou está a caminho...

Futuro

Que teremos num futuro próximo?
Com a velocidade das tecnologias inventadas nos últimos cem anos, tenho certeza de que haverá muitas mudanças e, com o estrago que está sendo feito pelo ser humano, dito inteligente e capaz, realmente o planeta Terra será muito diferente deste em que habitamos agora.
As estradas deixarão de ser terrestres e se tornarão aéreas, tais como vimos no desenho animado dos Jetsons! Como?! Só Deus sabe quais os aspectos positivos e os negativos de todo um futuro, movido a energias naturais e alternativas...
E a água? Será que descobriremos alguma substância que possa substituir esse elemento tão precioso?
Lembro, na minha juventude, de ouvir falar de um futuro com drágeas em vez de comida. Atualmente, porém, só os astronautas as usam... Nós, ao contrário, passamos a fazer uso cada vez mais de fast-foods e os alimentos naturais, cada vez mais caros, fazem parte da nutrição de uma elite inteligente e que tem o dinheiro para poder comprá-los.
Alimentos orgânicos? Como? O povo, a maioria dos habitantes do planeta, deve comer mesmo o seu arroz com feijão, e dêem-se por satisfeitos quando têm o arroz só ou o feijão só!
Imagino um futuro bem tecnológico e quem sabe Aldous Huxley tinha razão quando escreveu um "Admirável Mundo Novo" com todos iguais, feito máquinas, e aqueles que eram diferentes, sofrendo para criar o seu mundo com emoção e sentimentos!
Ou quem sabe também tinha razão o autor de "Iago", cujo nome não recordo agora, fazendo a mocinha se apaixonar por um extraterrestre e ir com ele para outro planeta?
Quem me assegura que somos os únicos habitantes com vida neste universo de Deus?
Portanto, repito a minha pergunta e vocês coloquem a imaginação para funcionar: que teremos num futuro próximo?

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Prosseguindo a semana de textos sobre moda, a aluna Stella Muehlbauer nos dá uma imensa e divertida contribuição com a sua pesquisa sobre o espartilho.

Moda antiga

Quando me foi solicitada uma crônica sobre moda, fiquei assustada pois não sou muito "ligada" ao assunto. E ainda mais moda antiga. Resolvi então fazer uma pesquisa e me surpreendi com o resultado.
Escolhi o espartilho, pois nos livros e filmes antigos, ele sempre aparece para tornar as senhoritas mais formosas e elegantes. Descobri que ele apareceu no século XV, mas que, já entre os séculos XIII e XIV, aparece como algo para amarrar o corpo e moldá-lo. As peças de roupa eram engomadas ou era empregado um material rígido que sustentava e tornava as formas do corpo mais perfeitas! 
Quando o espartilho apareceu, aí sim, tomou a forma que vemos nos filmes antigos e daí evoluiu para o colete e a cinta de hoje. 
Mas, o incrível disso tudo é que há, na internet, sites de compra e venda, onde podemos comprá-los vindos da França. São os espartilhos mais charmosos e sensuais. 
Existe até em Portugal, na cidade Vila Nova de Gaia, vizinha ao Porto, um centro comercial onde uma loja os vende de todos os tipos, formas, cores, tecidos rendados etc. Vejam só!
Com essa pesquisa, além de tornar-me mais culta, cheguei à conclusão que um problema que possuo seria resolvido, aparentemente: a cintura grossa. Quando jovem, o ideal era ter cintura fina, a célebre "cintura de pilão" e eu sempre sofri, pois pertencia ao grupo oposto.
Entretanto, com a minha idade atual, não pretendo apertar-me, ficar sem ar... 
Fica para a próxima encarnação...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Crônica do Dia

O aluno Samuel Kauffmann traz, na crônica de hoje, suas impressões sobre vaidade, mudanças de costumes, moda; e nos presenteia com boas histórias de tempos passados.

Modas e preconceitos

Inquiri-me sobre o que poderia discursar sobre modas e vaidades. Sim, vaidade é tudo aquilo que envolve minha apresentação visual, sem dúvida alguma. Desde um corte de cabelo até a meia que estiver vestindo. Contudo, para que isto aconteça, terei que abrir a minha psiquê ao olhar dos outros. E aí é que são elas. Fico antecipadamente melindrado e arrepiado, só de pensar que tal coisa venha acontecer.
Bem, então prefiro narrar-lhes fatos que vieram ao meu conhecimento.
Contaram-me sobre um meninote, de aproximadamente uns 3 anos de idade.
E até mostram-me uma foto antiga dele, sentado num pônei de estúdio fotográfico, com
roupinha de marinheiro. Tinha um sorriso e um olhar maroto, demonstrando satisfação em ser fotografado. Seus cabelos, no alto da cabeça, eram castanhos claros; e desciam, num tom louro e bem ondulado, pelas laterais, a lhe cobrir as orelhas e a nuca. Certa vez, passeando com o pai, foram abordados por um conhecido deste, que fez a seguinte observação:
- Mas que menina linda!!!
Pra quê! A reação do pai, vocês podem até imaginar. Um burguês ouvindo que o seu filho primogênito mais se parecia com uma menina. Partiu dali com o garoto direto para
o barbeiro, pedindo-lhe que cortasse a cabeleira com máquina zero e deixasse apenas um pequeno topete junto à testa. Ainda bem que o profissional foi bastante humano e guardou um cacho louro, enviando-o para a mãe. Esta chorou por dias seguidos e sem falar com o marido... Como prova maior deste acontecimento, tive em minhas mãos um resto daqueles cachos de cabelos louros.
O menino ficou até quase dez anos de idade com aquele corte de cabelo: cabeça raspada a maquina zero com o tal do pequeno topete. Foi quando se revoltou com o pai e assumiu a sua própria vaidade, deixando a cabeleira crescer abundantemente. Ficava
uma hora inteira diante do espelho ajeitando o penteado, conforme lhe parecesse mais
conveniente para o momento, acompanhando a moda da época, espelhando-se nos astros do cinema, com auxílio de loções, “brilhantina”, “gumex”, etc. Atualmente, tem os cabelos bem compridos, como os dos nativos das Américas - um corte muito adotado pelos roqueiros.
Outra narrativa:
O ano: 1954. O rapazote iniciava o ginásio num colégio estadual. O uniforme tinha um aspecto militar, em tecido brim cinza. Calça comprida, até o tornozelo, com listras
laterais em azul marinho; o dólmã fechado até o pescoço com a gola azul marinho, manga comprida até os pulsos com acabamento na mesma cor, envolvida com listra, indicando a série escolar do estudante. O sapato de couro tinha que ser preto e sempre bem limpo. Ele sentia-se orgulhoso, apesar do sufoco em dias de calor.
Já as raparigas tinha obrigação de vestir um uniforme bem mais agradável. Saia plissada, até um pouco abaixo do meio das pernas, em tecido azul marinho, blusa branca de
manga comprida, fechada nos punhos e gola fechada no pescoço, meias de malha branca até os joelhos. Sapatos de verniz preto. Todavia elas não ficavam sufocadas em dias de calor extremo.
Rapazes e moças ficavam juntos apenas nos horários de aula. Nos intervalos permaneciam em pátios separados. Esta situação dificultava a possibilidade de um namorico.
Na rua nem falar... Poderiam ser surpreendidos por conhecidos ou pelos próprios pais. Então por que tanto engalanar-se, o que os enchia de vaidades juvenis, se os objetivos de tal moda não eram facilitados para a aproximação tão desejada?
Tal moda de uniforme escolar já não se vê hoje em dia. Nem namorar na rua não
é mais nenhum impedimento. Como as coisas mudaram...

Mais outra narrativa:
No passado, aí por volta da década de 1960 e até mesmo antes, os representantes comerciais, vendedores pracistas e até de lojas, usavam rigorosamente o terno completo com gravata, fizesse o tempo que fizesse. Um destes, amigo de profissão, atendia comerciantes estabelecidos no subúrbio carioca. Atravessar um período de meia estação era suportável. Agora, enfrentar o tórrido clima de verão, tornava-se uma tortura ter de caminhar sob o Sol implacável. Em conversas de roda dos vendedores, questionavam a necessidade de ter de se usar o terno como uniforme profissional da classe. Os mais antigos contavam que usavam o chapéu como protetor da cabeça - mas já tinha caído em desuso. O tal amigo narrou-me que estava trabalhando em Bangu, num daqueles dias calorentos de dezembro, quando sentiu mal estar, leve dor de cabeça, náuseas, tontura, etc. – sintomas de desidratação. Sentou-se no meio-fio, sob uma frondosa árvore, enquanto bebia uma garrafa de Coca-Cola – esta tem efeito hidratante quando sorvida aos poucos. Depois de recuperado, retirou o paletó, afrouxou a gravata, abriu o colarinho, arregaçou as mangas e continuou as suas visitas. Percebeu que os lojistas não ficaram constrangidos com o visual de sua apresentação. Resolveu desafiar o status da moda profissional, comparecendo, no dia seguinte, ao escritório do Gerente, em “mangas de camisa” – uma expressão que significava o uso de camisa esportiva de mangas curtas e sem a tal gravata - um acessório, por sinal vaidoso, sem real significação. A reação do Gerente, que era de se esperar, foi uma explosão de raiva irracional. O meu amigo era o melhor vendedor da equipe. Naquela ocasião foi defendido pelo Diretor, que por acaso estava presente. O qual disse: “Deixe o rapaz; ele sabe o que está fazendo”. Uma expressão de ódio silencioso estampou-se na face do Gerente. E isto lhe foi fatal. Dias após recebia uma comunicação verbal de demissão por justa causa, que felizmente ocorreu com um pedido de demissão, já por desinteresse do meu amigo. Como fala o povo: “a corda rompe sempre pelo lado mais fraco”.
Vejam como uma atitude desafiadora ao modismo herdado do primeiro mundo, colonizador, resulta em consequências inesperadas conforme a época, entre os colonizados. Sim, porque hoje em dia os vendedores trabalham em “mangas de camisa” e ninguém se importa... Terno e gravata, somente entre os de cargos gerenciais para cima, na hierarquia administrativa.
Interessante é que foram os ingleses que instituíram o uso da bermuda em suas colônias tropicais...

Em 29 de junho de 2011.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Crônica do Dia

Começando bem o segundo semestre, vamos falar sobre moda, com a crônica do aluno Apolinário Albuquerque.

Seu nome é sucesso

Quando a conheci – ela tinha uns cinco anos – surpreso vi anunciarem o seu nome naquele desfile. Aí lembrei daquela menina espiritada, muito ativa  e, quase sempre, a organizar as brincadeiras e comandar as ações que o grupo de crianças iria praticar naquela tarde. Até a sua chegada, era aquela brincadeira de criança sem maiores consequências, mas bastava ela chegar para que a coisa pegasse fogo. O pior é que as vezes pegava fogo mesmo, e os testemunhas nem se zangavam – até riam, os irresponsáveis. 
As suas ideias não desagradavam nem um pouco aos moradores daquele prédio – era mais um motivo de alegria a sua inocente intervenção eletrizante a marcar as nossas vidas. Sabíamos todos que ali naquela moreninha estava uma inteligência a desenvolver habilidades – que mais tarde lhe serviriam à vida profissional.
O que eu não sabia era que o destino lhe reservaria ir tão longe, meu Deus. 
Pelo que soube, ela tentou estudar geologia, mas, no meio do curso, conheceu um Francês, aqui no Rio mesmo, e quis o acaso que eles se envolvessem – mesmo ele sendo um pouco mais velho do que os belos vinte e poucos anos dela. Assim se vai a nossa moreninha residir em, nada mais nada menos que: Paris. Como o destino dos predestinados, o seu francês vem a falecer seis anos depois de casados. Mas a nossa heroína não podia ficar a ver navios – para salvar barcos em tempestades é que foi treinada, não? 
Herdou um lugar para morar e uma fábrica de camisas falida – como sempre, agiu: foi buscar a solução para aquele problema  o qual, em seu íntimo, gritava muito mais como uma oportunidade, e não um problema de verdade. 
Assim foi dar expediente de tempo integral na sua fabrica – sem nada saber de moda, de costura, de modelos, de comércio, de relações, enfim, de nada versus nada. Mas sabia que tudo que precisava estava no seu interior e se chamava: vontade. 
Arregaçou as mangas e, como loba faminta, pôs-se a trabalhar – das sete às 22:00h – aprendeu rapidamente a diagnosticar por que as camisas que fabricava não eram bem aceitas pelos pressupostos clientes. Aprendeu a farejar o mercado – aprendeu a sentir o gosto da moda – e se lembrou da sua terra – das festas de ano novo, em que todos vestiam branco; lembrou-se das apresentações na praia, no último dia de cada ano, quando os centros de umbanda e de candomblé faziam suas oferendas – todos vestidos de branco. 
Achou o caminho – faltava aprender a desenhar, a fazer com que seus desenhos virassem peças únicas e desejadas. Começou com camisas brancas – sempre brancas – vários modelos, todos com babados, com rendas e lembranças de sua terra e suas crenças. 
Passaram-se os anos de chumbo – de trabalho árduo – até que se tornasse a mais conhecida estilista do mundo, como se diz por aí, “todos só querem saber da cachaça que eu bebo, mas ninguém quer saber dos tombos que eu levo”. Assim, ela se tornou a estilista mais especializada em camisas brancas e tem o privilégio de vestir gente como: “Uma Thurman, Britney Spears, Catherine Deneuve, Michelle Obama, Carla Bruni e muitas outras celebridades”. 
Hoje a nossa menina é conhecida no mundo todo como a "estilista das camisas brancas"; chega a desenhar mais de 1,4 mil peças, mas nem todas são realmente produzidas, porque  esses desenhos são apresentados para escolha de peças únicas, exclusivas. 
As peças produzidas em escala são vendidas em 70 boutiques, espalhadas pelos diversos países do mundo – Europa, Japão, Estados Unidos. Setenta é um número provisório, porque ela continua trabalhando. 
Claro que, em suas lojas, além das famosas camisas brancas, também se vendem outras peças, sempre artigos de moda, principalmente vestimentas femininas – acessórios, bolsas, cintos – tudo desenhado e produzido pela estilista, aquela menina espiritada lá do prédio da rua das laranjeiras. 
Fiquei tão empolgado que quase me esqueci de informar: se estiver em Paris, ou noutro centro de moda mundial, e quiser fazer uma compra exclusiva, prepare-se para gastar em uma camisa, de trezentos até sete mil reais. Procure por Anne Fontaine. Não se preocupe com o idioma, ela fala português brasileiro e, o melhor, carioquês, se você for daqui. Se ela não puder lhe atender pessoalmente, não se estresse por isso, deve estar viajando por esse mundão que Deus lhe deu para se tornar uma vencedora.