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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Crônica do dia

Para começarmos a semana, temos a crônica do aluno Homero que nos conta a semelhança de alguns fatos e acontecimentos que ocorrem no texto de Clarice Lispector e a realidade brasileira. DIVIRTAM-SE   


Os grandes relatos de Clarice Lispector

Por mais que seja o relato de um escrito, buscado ali, no dia a dia, no berço da família, ele ficará a  dever o essencial da matéria, a razão que nos leve a tal pugna. A parte espiritual dessa cobrança. Sim, porque nada nessa vida é cobrado de nós sem que tenhamos culpa nesse cartório. 
Se já nos tivesse sido facultada as razões que nos trazem ao convívio terreno de preferência, no seio da família, onde esse convívio é mais íntimo e o nosso espaço pessoal fica muito restrito. Muitas vezes, até totalmente devassável exatamente para que não tenhamos que esconder os nossos defeitos de nossos pais e irmãos em decorrência de ali estarmos exatamente, para aquele momento, de aferimento do nosso íntimo, do nosso interior.
Indefeso, respondemos com malcriação, com rebeldia e muitas vezes fugindo de casa até para morar na rua ou muito longe daquele convívio, para fugirmos daquela exposição. 
A ausência dessa coragem para defrontar, com o ex inimigo ou com o cobrador ou devedor de vidas passadas, com que teremos que fazer os nossos acertos de contas para nos libertarmos daquela incomoda dívida deixada para trás.
Clarice, com muita competência faz esse registro com base naquilo que assistiu e testemunhou, sem que contudo tivesse acesso as razões de cada um daqueles confrontos.
Se observarmos nos acontecimentos que estamos assistindo ao vivo passando em países que já deveriam estar servindo como referência de comportamento humano, mas que vão aos limites máximos da violência e da estupidez a ponto de nos levar em nossa ingenuidade de que aquela realmente seja a receita para tais resoluções. 
Vimos no Rio de Janeiro, o assassinato de uma juíza, em pleno exercício de sua atividade profissional ao abrigo de leis ditas capazes de dar conta daquele tipo de desencontro, mas que, ao contrário desdisse tudo o que está previsto na lei do homem, para dar lugar a um problema certamente do passado entre aquela juíza e aquele oficial de polícia de quem estava sendo cobrado o não preparo de policiais desajustados para aquela atividade.
Quando se recomenda que não se deve criticar pelo fato de ao fazer uma crítica, estarmos criticando exatamente um ponto em que somos, por vezes, um devedor ainda  maior e mais perigoso que aquele a quem estamos atribuindo despreparo.
Quem sabe, aí caber daquela máxima do roto estar falando do esfarrapado? 
 É claro que temos a obrigação e o dever de agradecer a Clarice Lispector, por todo esse véu, que ela tem tem conseguido levantar, para que sem ele, diante da nossa visão, possamos ver, pelo menos, o óbvio escancarado, diante de nós. 
Pelos relatos sobre a vida em família registrados por Clarice e tantos outros escritores, dizem da vida, aquilo que realmente, aquilo que realmente os espíritas garantem não haver, a morte. 
Mas sim, uma vida terrena e uma vida no plano espiritual. Certamente, estaremos precisando que talentosos escritores, como Clarice,  venham contar para nós, como seja essa vida espiritual e as suas reais exigências de cada um de nós, já que cada um tenha que cumprir o seu mandato?
O estranho de tudo isso é essa ocultação de nossas falhas que não possam ser, por nós conhecidas, para que assim, comparadas  com vidas de gente melhor que nos sirva de espelho para que nele nos possamos nos mirar e facilitar essa nossa demorada reabilitação ou lá que que nome se possa dar, ao tal remanejar desses entulhos, morais e espirituais, para bem de todos e felicidade geral da nação.

Homero                                                                                       

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Crônica do dia

Terminamos nossa semana com a crônica da aluna Stella. Um pouco cinzenta e turva é a crônica, mas ao final podemos sentir que essa cor tristonha está mudando. Afinal, a esperança é a última que morre, assim nos lembra Stella. Boa leitura!  

Sábado cinzento

Hoje chove não uma chuva forte, mas aquela que contamina tudo e todos com seu tom cinza, penetra na nossa mente trazendo fatos tristes, negativos, que nos tornam impotentes.
O primeiro pensamento que me aparece é o da corrupção. Quando é que conseguiremos fazê-la desaparecer ou, pelo menos, amenizá-la?
O segundo pensamento é o da educação e da saúde brasileiras. Quando é que conseguiremos melhorá-las?
O terceiro é o da segurança. Brasileira? Estadual? Municipal? Quando é que o Governo lhe dará a importância devida e merecida?
Fome, seca, calamidades meteorológicas... Puxa, hoje estou cinzenta por dentro!
Apesar de tudo, tenho certeza de que a humanidade está se espiritualizando e ficando mais atenta aos detalhes. Espero que as “autoridades competentes” também se tornem mais responsáveis. Dizem que a esperança é a última que morre. Sendo assim, sinto que, aos pouquinhos, algo está mudando para melhor, é claro.
Sou otimista, mas, algumas vezes, é difícil sê-lo.
Sou fã do açúcar, natural e interno de cada pessoa. Por isso, devemos fazer o mínimo para mudar uma pequena área deste mundo enorme e eterno.
Aqui fica, pois, a minha reflexão, o meu conselho, aminha esperança de que algo desta crônica tenha tocado no coração dos colegas, dos professores e de alguém que a leia.
Otimismo, felicidade, saúde, amor, amizade, vamos cultivá-los com carinho e paciência para que o futuro possa se lembrar de nós, por tudo que fizemos.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Crônica do dia

Talvez um mundo utópico, uma ficção; mas um desejo e uma crítica aos nossos dias. Assim se mostra a crônica da aluna Maria Lucia Mizutani. Boa leitura!

De ponta cabeça

Saí de férias e, quando voltei a minha cidade, vi que as pessoas andavam de cabeça para baixo, usando as mãos na locomoção, não conseguiam sentar sem dar uma cambalhota. As mulheres e os homens com a cabeça raspada falavam as frases invertidas e, com muita dificuldade, consegui saber o que tinha acontecido: um forte furacão atravessou a cidade.
Tudo ficou complicado: cozinhar, arrumar as casas, ir para escolas e trabalho. Não havia veículos circulando, todos iam à mão.
Qualquer tarefa era feita em grupo, pois ninguém conseguia fazer nada sozinho. aos poucos reconstruíam as casas, agora todas muito mais baixas, diminuíram, cerraram os pés dos móveis, cadeiras e mesas.
A comunicação entre eles girava em torno de 30%, o essencial para tocar a vida. Não havia tempo para tristezas, brigas, era somente olhares profundos, intensos, rolando uma magia para alcançarem o objetivo da tarefa proposta.
No final do terceiro mês, notava-se um grande entrosamento, uma atmosfera de felicidade, e foi aí que apareceu a ajuda externa através dos políticos que logo designaram um novo prefeito, andante com os pés. Foi feito um plebiscito e rejeitaram o prefeito, afinal eles já estavam muito bem sem políticos.
Fundaram um novo jornal, que era distribuído grátis para todos. A posse dos acontecimentos sempre verdadeiros fez criar uma votação mensal para os objetivos (projetos) das pessoas da cidade, onde todas, sem excessão, que queriam votavam.
Sumiram completamente as classes sociais, as discriminações de qualquer tipo. Afinal todos estavam com as mesmas dificuldades, com os mesmos salários (todos participavam da decisão de aumento de salários, por exemplo, de políticos, do judiciário, legislativo etc.).
Comecei com "de ponta cabeça" e termino com "sonho do povo", ou melhor, que venha um "bom furacão".

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Crônica do Dia

A crônica a seguir foi escrita pelo aluno Samuel Kauffmann, que manifesta através dela toda a sua indignação com os governantes do nosso país. A aula que motivou a crônica abordou o tema das remoções na cidade do Rio de Janeiro, que beneficiarão a Copa e Olimpíadas, sendo ruins ao povo. Boa leitura. 

O progresso
e o sacrifício dos excluídos

Quando, em circunstâncias extraordinárias, tomamos conhecimento da opressão a que estão sujeitos milhões de compatriotas, por falta de respeito humano e das leis nacionais e internacionais, é que despertamos deste estado de torpor em que nos encontramos, como que insensibilizados pela mídia. E que nos deveria manter alertas e bem informados, com impecável profissionalismo do mais bem intencionado jornalismo, isento de qualquer falácia tendenciosa.
Então, um grito de revolta sufocado em seu nascedouro, agita o nosso emocional e o mental, consciente de nossa incapacidade momentânea de socorrer os necessitados de nosso apoio global, que estão a sofrer injustiças das mais deploráveis que um ser humano possa suportar, principalmente quando atinge o idoso, que é a destruição de seus humildes lares.
No passado, foram eles invasores de áreas urbanas ou lhes foi permitido, por políticos caçadores de votos, com promessas ilusórias, que ocupassem terrenos abandonados e/ou talvez a espera de especulação imobiliária?
Muitos possuem alguma forma de escritura registrada em cartório, até mesmo por usucapião. Mesmo assim, vê suas pequenas propriedades serem arrasadas pelas máquinas dos poderosos. E as coisas vão acontecendo abafadas, com o desconhecimento intencional das massas anestesiadas por outras atenções, sejam esportivas ou escandalosas, tal e qual no pior
período da última ditadura militar.
E a quem interessa este abuso do poder público? E exatamente na antevéspera da tão esperada e ambicionada Copa do Mundo e mais adiante as Olimpíadas em território nacional?
De repente os administradores públicos despertaram para o desenvolvimento do turismo, após décadas de esquecimento? Ou foram pressionados por corporações multinacionais em busca do lucro? Todos nós sabemos que atualmente qualquer atividade esportiva tornou-se fonte de lucros fáceis, isentos de pesadas tributações. Tais corporações não investem o seu ouro diretamente nas obras, que são executadas com o nosso erário público.
Desde a mais remota antiguidade sabemos que os ‘principais do mundo’ se reúnem em conluio contra o povo, sempre. Se nossas autoridades apoiam sem restrições as atrocidades cometidas, é porque há algum modo de participação e não por nenhum engrandecimento da pátria. Não nos enganemos, são simplesmente obras faraônicas que surgem a olhos vistos. Não proporcionam nenhum meio de defesa às vitimas. A própria defensoria publica está impedida de exercer o seu dever cívico.
Enquanto isso o saneamento, a saúde publica, a educação, a segurança, que são deveres constitucionais do estado, continuam relegados em segundo ou terceiro plano.
Onde estão as vozes das Câmaras Municipais, das Assembleias Legislativas, do Congresso Nacional, em defesa do povo que por tudo paga? Onde estão?!
A maioria de nossos políticos de origem humilde esqueceu-se de cumprir com suas promessas, de zelar por seus compatriotas, agora formando pares com os neoliberais – defensores do capitalismo selvagem, do lucro fácil e destruidor do meio-ambiente.
Despertemos irmãos compatriotas, reajamos com ímpeto varonil, cobremos dos representantes, eleitos com o nosso ingênuo voto, a mudança de comportamento
sociopolítico; seja por missivas ou falando abertamente em público. Comecemos por
incomodá-los.
Estamos todos nós envolvidos e arrolados pela globalização ‘tiranossáurica’; ainda muito longe da verdadeira globalização humanística. A classe dominante, em mutação constante, continua cega às consequências advindas de suas ações no tempo presente, não conseguindo vislumbrar o futuro sombrio que as aguarda e, principalmente, aos seus descendentes. Se possuíssem a mais ínfima partícula de energia amorosa em suas consciências, suas condutas seriam apoiadas em ações de cooperação e divisão dos excedentes com todos os humanos carentes, tanto fisicamente como espiritualmente. Contudo, no momento atual, estão imobilizados e impedidos de mudar suas atitudes, face aos grandes temores arraigados em seus corações simbólicos, em suas mentes ilusórias.
Que o silêncio dos justos seja substituído por suas vozes e envio de energias amorosas e curadoras da alma dos ‘donos do mundo’ – eles os realmente necessitados.
Agradecemos pela paciência de nos permitir manifestar a nossa mais extrema e abrangente indignação.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Crônica do dia

Hoje, uma crítica da aluna Isaura ao desrespeito que parte da população sofre pelas mudanças na nossa cidade, devido aos eventos que aqui ocorrerão. Será o Rio uma cidade maravilhosa? Boa leitura! 

O Rio que não é para todos

O Rio realmente não é para todos os cariocas, e sim para os bem aquinhoados e privilegiados.
Com tantos terrenos do estado e particulares de grande valor, por que não constroem casas populares para os menos favorecidos? E ainda querem remover cento e trinta favelas até as Olimpíadas para construírem vias rodoviárias. Onde colocarão milhares de pessoas? Vão empurrá-las para bem longe, onde não há estruturas de espécie alguma. Enfim, vão soltá-las na ruas da amargura. Uma verdadeira odisseia. E por quê? Porque o Centro e a Zona Sul precisam estar lindas para receber os visitantes.
O Rio terá, nos próximos anos, grandes eventos: Olimpíadas, Copa do Mundo, o encontro de Jovens católicos de todo o mundo e outros. E a cidade tem que estar maravilhosa para fazer jus ao nome.
Com tanta desigualdade social, é bem provável que também despejem toda a comunidade que vive desde a saída da Ilha do Governador até Benfica em favela do asfalto, para que os visitantes estrangeiros não vejam a parte feia e pobre da cidade. E pensar que, com tantos investimentos, poderiam ser construídos hospitais, escolas e moradias populares.
Será que é mesmo patriotismo, ou será para enriquecer mias a burguesia?
Como diria Boris Casoy: Isto é uma vergonha!!
Mas esta cidade que é chamada: Maravilhosa! E na verdade ela é maravilhosa; porém não é para todos que nela vivem.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Crônica do dia

Para começarmos a semana, temos hoje o texto da aluna Nice que nos conta as consequências que toda a população tem sofrido, devida as obras realizadas para os megaeventos esportivos. REFLITAM!

Copa, Olimpíada e Rio de Janeiro

Os megaeventos esportivos que irão acontecer na cidade do Rio de Janeiro levarão a cidade a realizar grandes projetos na área urbana, causando muito transtorno no trânsito. 
Jacarepaguá é um bairro cujo trânsito é muito intenso, devido a dar acesso à Barra e ao Recreio. 
O movimento de carros e ônibus é muito grande, havendo muitos sinais próximos, causando paralisação a todo momento nas vias. 
A construção da Transcarioca que passa por Madureira até a Praça Seca, vem causando engarrafamentos ininterruptos todos os dias, deixando motoristas e passageiros revoltados com a lentidão nas ruas. 
E as demolições nesta área?
Famílias que viviam 30 anos ou mais na mesma casa, e de repente são despejadas com um valor que não dá para comprar outro imóvel em lugar descente. 
Tudo está acontecendo muito rápido, pois o tempo é pouco, mas os governantes têm que lembrar que precisam do povo para a realização das obras, pois pagamos impostos. 
Estes projetos irão colocar a nossa cidade mais em evidência, mas não é só isso de que precisamos.
A saúde, educação, habitação, segurança estão sendo esquecidas pelos governantes.
Precisamos, unidos, fazer esta cobrança para que nossa cidade venha a ser realmente uma "cidade maravilhosa" ao receber outros povos nestes grandiosos megaeventos esportivos.

Nice        

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Crônica do Dia

Para terminarmos a semana, nada melhor do que a boa e velha malandragem com a crônica de Arnaldo Jabor, falando das coisas "erradas" que aprendeu com o seu avô, um autêntico malandro carioca dos anos 40/50. DIVIRTAM-SE!   

Meu avô foi um belo retrato do malandro carioca

Este texto é sobre ninguém. Meu avô não foi ninguém. No entanto, que grande homem ele foi para mim. Meu pai era severo e triste, mal o via, chegava de aviões de guerra e nem me olhava. Meu avô, não. Me pegava pela mão e me levava para o Jockey, para ver os cavalinhos. Foi uma figura masculina carinhosa em minha vida. Senão fosse ele, talvez eu estivesse hoje cantando boleros no Crazy Love, com o codinome Neide Suely.
Meu avô, Arnaldo Hess, foi um belo retrato do Brasil dos anos 40/50. Era um malandro carioca — em volta dele, gravitavam o botequim, a gravata com alfinete de pérola, o sapato bicolor, o cabelo com Gumex, o chapéu-palheta, o relógio de corrente, seu Patek Phillipe tão invejado, em volta dele ressoava a língua carioca mais pura e linda,com velhas gírias [Essa matula do Flamengo é turuna (forte)..] Meu avô era orgulhoso de viver nesta cidade baldia e amada, o Rio que soava nos discos de 78 rpm, nas ondas do rádio, o Rio precário e poético, dos esfomeados malandros da Lapa, das mulheres sem malho e de seus sofrimentos românticos, entre varizes e celulite. Antes de morrer, ele me olhou, já meio lelé, e disse a frase mais linda: "É chato morrer, seu Arnaldinho, porque eu nunca mais vou à avenida Rio Branco". Ali, onde ele me levava para tomar refresco na Casa Simpatia, era o centro de seu mundo. Os políticos canalhas populistas que estão hoje aí querem a volta do passado apenas pelo lado "sujo"do atraso. Mas havia também uma poética do atraso — na Lapa, no Mangue, havia um Rio que, com poucas migalhas, fabricava uma urbanidade pobre, bela e democrática. 
Ele também me dava aulas de sexo. Contou-me uma vez que a melhor mulher que ele teve na vida tinha sido uma "João". Que era "João"? Esse termo, ainda escravista,designava as pretinhas tão pretinhas que tinham o pixaim da cabeça ralo, quase carecas. Eram as "João". Pois ele me disse: "Foi no terreno baldio, ali na General Belfort... foi o melhor nick fostene que eu tive..." (Inventara esse nome de falso inglês de cinema americano para designar a cópula, sendo a palavra acompanhada pelo gesto vaivém de bomba de "Flit": Nick Fostene...) Contava isso a um menino de dez anos, a quem ele dava cigarros e ensinava ( a mim e ao Cláudio Acylino, meu primo) a pegar bonde no estribo,andando. Me apresentou sua amante, uma mulher ruiva chamada Celeste, que me beijava trêmula e carente como uma avó postiça e que, sendo de "boa família" ( ele me falava disso com uma ponta de orgulho), "nunca se metera em sua vida familiar oficial". Isso ele dizia com os olhos machistas molhados de gratidão. Ou seja, ele me ensinava tudo errado e com isso me salvou.
Quase analfabeto, vivera grudado com a turma dos intelectuais da Colombo, babando com os trocadilhos de Emilio de Menezes, Olavo Bilac, Agripino Grieco nos anos 20, o que lhe deu um fascinado amor às letras que não lia, mas que o fez trazer-me sempre um livro novo, da Rio Branco, junto com a goiabada cascão e o catupiry.
Uma vez, já mais tarde, eu namorava uma moça lindíssima e virgem (claro) mas burrinha. Reclamei com ele. Resposta: "Ah, é burrinha ? Você quer inteligência ? Então vai namorar o Santiago Dantas! " Quando fomos aos sinistros rendez-vous, de onde nos floresceram as primeiras gonorréias, nossos pais severos bronquearam: "Vocês são uns porcos!" Já nosso vovô riu, sacaneando: "Poxa... boas mulheres, hein... ?" Vovô nos ensinava a conversar com as pessoas, olho no olho. Na minha família de classe média, celebravam-se as meias-palavras, o fingimento de uma elegância falsa, de uma finesse irreal. Só meu avô falava com os vagabundos da rua, com os botequineiros,com os mata-mosquitos. Enquanto minha família toda votava histericamente na UDN, em pleno delírio golpista, meu avô pegou o chapéu, e foi votar. Eu fui atrás dele... "Votar em quem?" "No Getúlio, seu Arnaldinho... ele gosta do povo e eu sou povo." "E eu sou 'povo' também, vovô?", perguntei. Ele riu: "Você não; você tem velocípede..."
Ele me levava ao Maracanã, ele me levava em seu ombro para ver a estrela de néon da cervejaria Black Princess ( até hoje me brilha esta supernova na alma), ele, uma vez, deixou-me ver um morto na calçada, navalhado no peito ( "Parecia a fita do Vasco da Gama", ele disse) — não me escondeu a tragédia. Me ensinou tudo errado e me salvou... 
Meu avô adorava a vida e usava sempre: o adjetivo "esplêndido", tão lindo e estrelado. A laranja chupada na feira estava "esplêndida", a jabuticaba, a manga-carlotinha, tudo era "esplêndido" para ele, pobrezinho, que nunca viu nada; sua única viagem foi de trem a Curitiba, de onde trouxe mudas de pinheiros. "Esplêndidas..." No fim da vida, já gagá, eu o levava ao Jockey para ele conversar com o Ernani de Freitas, o amigo tratador de cavalos, que lhe dava um carinho condescendente com sua gagazice, falando de cavalos que já haviam morrido. "Hoje corre a Tirolesa ou a Garbosa ? ", perguntava. "A Tiroleza está machucada, Arnaldo..." 
Velho gagá, deu para dizer coisas profundíssimas. Uma vez, já nos anos 70,celebrei para ele as maravilhas lisérgicas do LSD que eu tomara. Ele me ouviu falar em"delírio de cores", "lucy in the skies" e comentou: "Cuidado, Arnaldinho, pois nada é só bom..." Outra vez, vendo passar um super-ripongão sujo, "bicho-grilo brabo", comentou: "Olha lá. Um sujeito fingindo de mendigo para esconder que realmente é...! 
Há dois anos, na exumação de um parente, o coveiro colocou várias caixas de ossos em cima do túmulo. Numa delas, estava escrito a giz: "Arnaldo Hess". Não resisti e levantei de leve a tampa de zinco. Estavam lá os ossos de vovô. Vi um fêmur, tíbias, que eu toquei com a mão. Vocês não imaginam a infinita alegria de, por segundos, encostar em meu avô querido. Eu estava com ele de novo em 1952, sob o céu azul do Rio. 
Meu avô não era ninguém. Mas nunca houve ninguém como ele.

Arnaldo Jabor 

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Crônica do dia

Para a quarta feira, temos os textos de nós professores da Oficina de Crônicas falando da importância de nossa profissão e do carinho com o qual nosso alunos nos recebem e o qual temos por eles e darmos nossas aulas. DIVIRTAM-SE!

Ser professor

A profissão do professor é acima de tudo a profissão do amor. Amor ao próximo e ao que se ensina. Quando decidimos segui-la, não pensamos se ganharemos pouco ou muito, se ficaremos ricos ou não. O que realmente nos importa é a paixão. Além da nossa enorme dedicação que faz cada dia nossa função valer mais a pena. 
Nossos alunos são também nossos mestres, sempre dispostos em nos dar broncas, carinho e atenção. Alguns podem até torcer o nariz para o que a gente diz, não gostarem da nossa matéria ou se gostam, gostam somente de uma parte dela, mas quando vemos que despertamos em nossos mestres/ aprendizes o gosto por algo e o seu interesse. Isso é uma grande gratificação, maior do que qualquer salário recebido. 
Notamos isso quando estamos dentro de uma sala de aula, quando lemos um texto e trabalhamos um tema que a turma gosta e desenvolve com prazer um trabalho relacionado com a temática, cada um deles sempre nos surpreendendo e inovando. Vemos isso estampado em vocês, alunos da Oficina de crônicas, sempre interessados, nossos mestres que tanto nos ensinam cada vez mais a sermos o que somos, que ajudam e colaboram  em nossas aulas. Qualquer momento que trocamos para montá-las, postar no blog as crônicas e corrigir redações valem a pena. 
O prazer com o qual vocês nos ouvem, o carinho que têm e o qual nós, professores, também temos por vocês quando corrigimos as redações, faz com que nosso amor cade dia mais aumente. Para concluir, coloco a seguinte frase de Paulo Freire: ‎"Me considero um educador, acima de tudo, porque sinto amor." Paulo Freire.


Crônica do Dia

Hoje, posto meus agradecimentos aos caros alunos da Oficina de Crônicas

Algumas palavras

Em passos lentos, indo tomar o elevador para o 11º andar para mais um dia de oficina. Já escreveu uma crônica sobre o assunto da semana passada. Vira-se para o lado e me cumprimenta. Era a quarta aula que eu participaria como “professor”. Retribuo seu cumprimento. Começamos uma conversa casual, falando de como estava cheio o hall dos elevadores, de como estava quente aquele dia. Entramos no elevador, cheio. Saímos e caminhamos, lentamente, para a sala 11.111. Estávamos um pouco atrasados.
Os outros alunos já liam seus textos, quando entramos. Ficaram felizes ao nos verem chegar. Demos boa tarde. Aquela sala, não muito grande mas confortável, era mais do que um espaço, era um lugar significativo. Memórias, sentimentos, sensações, polêmicas, revelações, comédia, tristezas, idade, netos, uma verdadeira babel acontece nessa sala. E tudo com compreensão e respeito. Muitas vezes conviver é complicado. Mas são dois extremos da linha temporal que, num momento quase que divino, se cruzam e não há choque ou divisão, mas soma. A utopia de querer que esses encontros transbordassem da sala e fossem parar no mundo lá de fora.
Não há o melhor aluno nessa sala. Em certa época, aprendemos que recuar e dar o lugar ao outro é o melhor que se pode fazer, pois concorrer já não mais significa. O que há são alunos que se expressam com mais facilidade que os outros; mas todos estão aprendendo. Mesmo aqueles que quase não falam, quando abrem a boca para darem sua opinião, nos surpreendem.
Hoje, atrasado por causa da demora do trem, os alunos estavam lendo seus escritos, quando cheguei. Costumo pensar que os dias são sempre iguais e que, raramente, coisas novas podem acontecer. A aula transcorreu como de costume. Os alunos leram suas crônicas, comentaram, discutiram. Até que uma aluna interrompe e conclama a turma para parabenizar os professores (somos três). Após os parabéns, mais uma surpresa: os alunos tiram de suas bolsas e mochilas doces, tortas, salgados e suco. Além disso, nos presenteiam com camisas e canetas!
Mais do que presentes ou parabéns, o que ganhamos nesse dia foi o reconhecimento pelo que fazemos e pelo que somos, foi o carinho e a dedicação desses queridos alunos e amigos. Se nada falei durante a aula ou durante a comemoração, escrevo nessas simples palavras um terço (poema do Homero) do que sinto e senti naquele momento. Se tivesse falado, muito iria se perder; mas já que escrevo, fica sólida a minha memória, minha gratidão e meus agradecimentos aos alunos da Oficina de Crônicas. Fica a célebre frase: verba volant, scripta manent.

Gabriel Sant’Ana (19/10/2011)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

AVISO

Amanhã, quarta-feira, haverá oficina de crônicas; apesar da paralisação que acontecerá na UERJ.
Contamos com a presença de todos!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Crônica do dia

Para começarmos bem a semana, nada melhor do que um pouco de romantismo vindo do texto "O Primeiro Beijo" de Clarice Lispector que nos conta a história de um menino com sua primeiras experiências amorosas, tais quais a primeira namorada, e o primeiro beijo, tão idealizado por aqueles que amam. DIVIRTAM-SE!        

 O Primeiro Beijo

Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples: 
- Sim, já beijei antes uma mulher. 
- Quem era ela? perguntou com dor. 

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer. 

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir – era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros. 
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca. 
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo. 
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava. 
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos. 
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando. 

O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava… o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos. 
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos. 
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água. 
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra. 
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida… Olhou a estátua nua. 

Ele a havia beijado. 

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido. 
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil. 
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele… 

Ele se tornara homem.

Clarice Lispector

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Crônica do dia

Com mais um dia de postagens, temos hoje o texto da aluna Honorina, que nos conta sobre a privacidade e seus direito, o que e como alguns a usam. Ela também nos conta sobre algo muito pertinente ao tema que é a fofoca, geralmente algo gerado pela falta de privacidade. DIVIRTAM-SE!   

Privacidade

Privacidade é a habilidade de uma pessoa em controlar a exposição e a disponibilidade de informação sobre si.
O direito de privacidade do ser humano de não ser monitorado, direito de não ser registrado e direito de não ser reconhecido (direito de não ter registros pessoais publicados). Ou seja, a "privacidade não significa apenas o direito de ser deixado em paz, mas também o direito de determinar quais atributos de si serão usados por outros".
Há uma infinidade de conceitos sobre a privacidade.
O conceito pela informação pessoal teve início entre os séculos XVII e XVIII, quando as construções passaram a oferecer quartos privados, onde passou a fazer sentido a criação de diárias pessoais. 
Desde essa época até os nossos dias, a privacidade está sendo desviada para outros caminhos, perdendo o respeito e o direito de viver em paz.
Hoje, há sites para desvendar as intimidades das pessoas, tornando espetáculos para a mídia em revistas de fofocas, não respeitando a privacidade das pessoas, não só as famosas como também as comuns, por ser o meio de vida adquirido, basta aparecer na mídia. 
Em condomínios onde moram centenas de pessoas, sempre prevalece o bom senso, pois há moradores de qualquer classe social, e o bom convívio depende de cada um...
Mas nesse ambiente encontramos pessoas educadas, atenciosas, e outras que são mal humoradas, briguentas, barulhentas, pessoas que não te cumprimentam, se você entra no elevador ou cruza no corredor, e cumprimentam por educação, "se está calado sai mudo". Eu já estou acostumada com isso, acho até normal. 
Há também aqueles que ficam atrás das cortinas bisbilhotando, o que acontece nos corredores dos prédios, às vezes nem falam com você, mas vão fofocar. O ser humano é assim 
Mas a partir do momento em que entramos em casa e fechamos nossas portas, ninguém incomoda, ainda prevalece a nossa privacidade, graças a Deus. 
O bom convívio nesses condomínios depende muito dos moradores. Eu não tenho queixa de ninguém.

Honorina Fonseca                                                    

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Crônica do dia

Continuando nossas postagens, temos hoje o texto da aluna Stella, que nos conta detalhes e impressões sobre uma escritora tão adorada pelo público e pela crítica: Clarice Lispector. DIVIRTAM-SE!  

Clarice Lispector


Quando ouvi de meus professores que iríamos ler um conto desta autora, resolvi antecipar-me e fiz uma pequena pesquisa sobre sua vida. 
Havia já lido alguns contos dela, mas não me havia aprofundado e sempre ficou uma pergunta: Por que ao lê-la me é passada sua angústia? Por que ela escreve desse jeito?
Descobri que sua família ucraniana e de origem judia emigra para a América e chega finalmente a Maceió, Brasil. Era uma família unida, uns sempre ajudando os outros e aqui todos mudam de nome, exceto sua irmã Tânia. De Maceió vão para  Recife, onde estuda. Clarice sempre escreveu suas histórias diferente de seus colegas (elas não tinham enredo).
Quando chega ao Rio de Janeiro, termina o ginasial, mas começam problemas financeiro e ela, enquanto estuda, trabalha para manter-se.
Casa-se e acompanha o marido de carreira diplomática. Teve dois filhos e um deles é esquizofrênico. Enquanto coleciona prêmios literários, cuida do filho doente. A Segunda Guerra Mundial acontecia e seus escritos vão tendo cada vez mais características sofridas, tristes, profundas, ao mesmo tempo que aprece em seu semblante a tristeza de suas obras.
Nos Estados Unidos, ajuda os brasileiros feridos de guerra e, em 1959, separa-se de seu marido, o que, naquela época, era considerado uma tragédia. 
Sofre queimaduras na mão direita, que quase lhe valeram, ter que amputá-la. 
Tudo isso influencia seus escritos e, finalmente, consegui entender a sensação que eu tinha cada vez que lia Clarice Lispector. Ela foi uma escritora brilhante, mesmo com menos de sessenta anos de existência. Três livros foram editados depois de 1977, ano de sua morte.
Até hoje é celebrada com entusiasmo por escritores de todo o mundo e, é lógico, também aqui nesse nosso Brasil,  onde há mil dificuldades nesse sentido!                 

Stella Muehlbauer

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Crônica do dia

Para começarmos a semana, temos hoje a crônica da aluna Isaura que nos conta o seu passeio pelo bairro de Santa Teresa. DIVIRTAM-SE!


O bairro de Santa Teresa
Estando eu, no Largo da Carioca, e sem saber onde pegar o bonde para Santa Tereza e estando aquele lugar muito diferente, havia anos que eu não passava por lá, pedi informação a um  senhor que passava. Ele se ofereceu para me ajudar, pois estava indo para onde morava. 
Disse-me que queria rever o casarão onde morara uma tia e no qual eu passara varias férias. Eu me lembrava muito bem de todos os seus cômodos. O homem me ajudou, indagando aqui e ali, e cheguei a conclusão de que o casarão não mais existia. 
Fingi procurar na bolsa o endereço. Obviamente não encontrei, pois o que eu queria era chegar ao bairro para relembrar fios de minha infância. 
Foi então que tive a ideia de sugerir a ele, que "aceitou", de irmos até o fim da linha para apreciarmos a paisagem. Ele concordou, pois não tinha horário a cumprir. Conversamos sobre vários assuntos, e ele me mostrou vários prédios e ia me explicando tudo o que sabia sobre o bairro, pois nascera e vivera sempre ali.
Foi um passeio agradável. Ao retornarmos, agradeci a boa vontade e a companhia. Despedimo-nos e acho que ele acreditou na minha história, pois foi solicito em me ajudar. 
Mas o que eu queria mesmo, era relembrar o bairro!        

Isaura           

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Crônica do dia

Hoje postamos um conto do escritor Franz Kafka, que nos mostra a possibilidade de as coisas terem sido diferentes, mas na realidade não são. Boa leitura!

Na galeria
Franz Kafka [tradução de Modesto Carone]

Se alguma amazona frágil e tísica fosse impelida meses sem interrupção em círculos ao redor do picadeiro sobre o cavalo oscilante diante de um público infatigável pelo diretor de circo impiedoso e de chicote na mão, sibilando em cima do cavalo, atirando beijos, equilibrando-se na cintura, e se esse espetáculo prosseguisse pelo futuro que se vai abrindo à frente sempre cinzento sob o bramido incessante da orquestra e dos ventiladores, acompanhado pelo aplauso que se esvai e outra vez se avoluma das mãos que na verdade são martelos a vapor — talvez então um jovem espectador da galeria descesse às pressas a longa escada através de todas as filas, se arrojasse no picadeiro e bradasse o basta! em meio às fanfarras da orquestra sempre pronta a se ajustar às situações.
Mas uma vez que não é assim, uma bela dama em branco e vermelho entra voando por entre as cortinas que os orgulhosos criados de libré abrem diante dela; o diretor, buscando abnegadamente os seus olhos, respira voltado para ela numa postura de animal fiel; ergue-a cauteloso sobre o alazão como se ela fosse a neta amada acima de tudo que parte para uma viagem perigosa; não consegue se decidir a dar o sinal com o chicote; afinal dominando-se ele o dá com um estalo; corre de boca aberta ao lado do cavalo; segue com o olhar agudo os saltos de amazona; mal pode entender sua destreza; procura adverti-la com exclamações em inglês; furioso exorta os palafreneiros que seguram os arcos à atenção mais minuciosa; as mãos levantadas, implora à orquestra para que faça silêncio antes do grande salto mortal; finalmente alça a pequena do cavalo trêmulo, beija-a nas duas faces e não considera suficiente nenhuma homenagem do público; enquanto ela própria, sustentada por ele, na ponta dos pés, envolta pela poeira, de braços estendidos, a cabecinha inclinada para trás, quer partilhar sua felicidade com o circo inteiro — uma vez que é assim o espectador da galeria apoia o rosto sobre o parapeito e, afundando na marcha final como num sonho pesado, chora sem o saber.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Crônica do Dia


Para continuarmos nossa semana, temos hoje o conto de João Guimarães Rosa que conta a história de uma menina que fazia milagres e que nos traz a lembrança do Padre Cícero e o texto do Mia Couto com o qual trabalhamos o tema da infância. DIVIRTAM-SE! 


A Menina de Lá - João Guimarães Rosa





Sua casa ficava para trás da Serra do Mim, quase no meio de um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus. O Pai, pequeno sitiante, lidava com vacas e arroz; a Mãe, urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo quando matando galinhas ou passando descompostura em alguém. E ela, menininha, por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda, cabeçudota e com olhos enormes.

Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. – "Ninguém entende muita coisa que ela fala..." – dizia o Pai, com certo espanto. Menos pela estranhez das palavras, pois só em raro ela perguntava, por exemplo: - "Ele xurugou?" – e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: - "Tatu não vê a lua..." – ela falasse. Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.

Em geral, porém, Nhinhinha, com seus nem quatro anos, não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam para ela a comida, ela continuava sentada, o prato de folha no colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos, o do que fosse mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão, angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão. De vê-la tão perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. – "Nhinhinha, que é que você está fazendo?" – perguntava-se. E ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente: - "Eu... to-u... fa-a-zendo". Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha?

Nada a intimidava. Ouvia o Pai querendo que a Mãe coasse um café forte, e comentava, se sorrindo: - "Menino pidão... Menino pidão..." Costumava também dirigir-se à Mãe desse jeito: - "Menina grande... Menina grande..." Com isso Pai e Mãe davam de zangar-se. Em vão. Nhinhinha murmurava só: - "Deixa... Deixa..." – suasibilíssima, inábil como uma flor. O mesmo dizia quando vinham chamá-la para qualquer novidade, dessas de entusiasmar adultos e crianças. Não se importava com os acontecimentos. Tranqüila, mas viçosa em saúde. Ninguém tinha real poder sobre ela, não se sabiam suas preferências. Como puni-la? E, bater-lhe, não ousassem; nem havia motivo. Mas, o respeito que tinha por Mãe e Pai, parecia mais uma engraças espécie de tolerância. E Nhinhinha gostava de mim.
Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite. – "Cheiinhas!" – olhava as estrelas, deléveis, sobrehumanas. Chamava-as de "estrelinhas pia-pia". Repetia: - "Tudo nascendo!" – essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. – "A gente não vê quando o vento se acaba..." Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..." Não, dissera só: - "... altura de urubu não ir." O dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: - "Jabuticaba de vem-mever..." Suspirava, depois: - "Eu quero ir para lá." – Aonde? – "Não sei" Aí, observou: - "O passarinho desapareceu de cantar..." De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo; agora, ele se interrompera. Eu disse: - "A Avezinha." De por diante, Nhinhinha passou a chamar o sabiá de "Senhora Vizinha..." E tinha respostas mais longas: - "Eeu? Tou fazendo saudade." Outra hora falava-se de parentes já mortos, ela riu: - "Vou visitar eles..." Ralhei, dei conselhos, disse que ela estava com a lua. Olhou-me, zombaz, seus olhos muito perspectivos: - "Ele te xurugou?" Nunca mais vi Nhinhinha.

Sei, porém, que foi por aí que ela começou a fazer milagres.

Nem Mãe nem Pai acharam logo a maravilha, repentina. Mas Tiantônia. Parece que foi de manhã. Nhinhinha, só, sentada, olhando o nada diante das pessoas: - "Eu queria o sapo vir aqui" Se bem a ouviram, pensaram fosse um patranhar, o de seus disparates, de sempre. Tiantônia, por vezo, acenou-lhe com o dedo. Mas, aí, reto, aos pulinhos, o ser entrava na sala, para aos pés de Nhinhinha – e não o sapo de papo, mas uma bela rã brejeira, vinda do verduroso, a rã verdíssima. Visita dessas jamais acontecera. E ela riu: - "Está trabalhando um feitiço..." Os outros se pasmaram; silenciaram demais.

Dias depois, com o mesmo sossego: - "Eu queria uma pamonhinha de goiabada" – sussurrou; e, nem bem meia hora, chegou uma dona, de longe, que trazia os pãezinhos da goiabada enrolada na palha. Aquilo, quem entendia? Nem os outros prodígios, que vieram se seguindo. O que ela queria, que falava, súbito acontecia. Só que queria muito pouco, e sempre as coisas levianas e descuidosas, o que não põe nem quita. Assim, quando a Mãe adoeceu de dores, que eram de nenhum remédio, não houve fazer com que Nhinhinha lhe falasse a cura. Sorria apenas, segredando seu – "Deixa... Deixa..." – não a podiam despersuadir. Mas veio vagarosa, abraçou a Mãe e a beijou , quentinha. A Mãe, que a olhava com estarrecida fé, sarou-se então, num minuto. Souberam que ela tinha também outros modos.

Decidiram de guardar segredo. Não viessem ali os curiosos, gente maldosa e interesseira, com escândalos. Ou os padres, o bispo, quisessem tomar conta da menina, levá-la para sério convento. Ninguém, nem os parentes de mais perto, devia saber. Também, o Pai, Tiantônia e a Mãe, nem queria versar conversas, sentiam um medo extraordinário da coisa. Achavam ilusão.

O que ao Pai, aos poucos, pegava a aborrecer, era que de tudo não se tirasse o sensato proveito. Veio a seca, maior, até o brejo ameaçava se estorricar. Experimentaram pedir a Nhinhinha: que quisesse a chuva. – "Mas, não pode, ué..." – ela sacudiu a cabecinha. Instaram-na: que, se não, se acabava tudo, o leito, o arroz, a carne, os doces, frutas, o melado. – "Deixa... Deixa..." – se sorria, repousada, chegou a fechar os olhos, ao insistirem, no súbito adormecer das andorinhas.

Daí a duas manhãs quis: queria o arco-íris. Choveu. E logo aparecia o arco-da-velha, sobressaído em verde e o vermelho – que era mais um vivo cor-de-rosa. Nhinhinha se alegrou, fora do sério, à tarde do dia, com a refrescação. Fez o que nunca lhe vira, pular e correr por casa e quintal.

- "Adivinhou passarinho verde?" – Pai e Mãe se perguntavam. Esses, os passarinhos, cantavam, deputados de um reino. Mas houve que, a certo momento, Tiantônia repreendesse a menina, muito brava, muito forte, sem usos, até a Mãe e o Pai não entenderam aquilo, não gostaram. E Nhinhinha, branda, tornou a ficar sentadinha, inalterada que nem se sonhasse, ainda mais imóvel, com seu passarinho-verde pensamento. Pai e Mãe cochichavam, contentes: que, quando ela crescesse e tomasse juízo, ia poder ajudar muito a eles, conforme à Providência decerto prazia que fosse.

E, vai, Nhinhinha adoeceu e morreu. Diz-se que da má água desses ares. Todos os vivos atos se passam longe demais.

Desabado aquele feito, houve muitas diversas dores, de todos, dos de casa: um de-repente enorme. A Mãe, o Pai e Tiantônia davam conta de que era a mesma coisa que se cada um deles tivesse morrido por metade. E mais para repassar o coração, de se ver quando a Mãe desfiava o terço, mas em vez das ave-marias podendo só gemer aquilo de – "Menina grande... Menina grande..." – com toda ferocidade. E o Pai alisava com as mãos o tamboretinho em que Nhinhinha se sentava tanto, e em que ele mesmo se sentar não podia, que com o peso de seu corpo de homem o tamboretinho se quebrava.

Agora, precisavam de mandar um recado, ao arraial, para fazerem o caixão e aprontarem o enterro, com acompanhantes de virgens e anjos. Aí, Tiantônia tomou coragem, carecia de contar: que, naquele dia, do arco-íris da chuva, do passarinho, Nhinhinha tinha falado despropositado de satino, por isso com ela ralhara. O que fora: que queria um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites de verdes brilhantes... A agouraria! Agora, era para se encomendar o caixãozinho assim, sua vontade?

O Pai, em bruscas lágrimas, esbravejou: que não! Ah, que, se consentisse nisso, era como tomar culpa, estar ajudando ainda Nhinhinha a morrer...

A Mãe queria, ela começou a discutir com o Pai. Mas, no mais choro, se serenou – o sorriso tão bom, tão grande – suspensão num pensamento: que não era preciso encomendar, nem explicar, pois havia de sair bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes funebrilhos, porque era, tinha de ser! – pelo milagre, o de sua filhinha em glória, Santa Nhinhinha.


João Guimarães Rosa

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Crônica do Dia

E para começarmos a semana nada melhor do que rir da rotina e das "Exigências da Vida Moderna"  tanto ironizadas por Luis Fernando Veríssimo. DIVIRTAM-SE!  

EXIGÊNCIAS DA VIDA MODERNA


Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.
E uma banana pelo potássio.
E também uma laranja pela vitamina C. Uma xícara de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão). Cada dia uma Aspirina, previne infarto. Uma taça de vinho tinto também. Uma de vinho branco estabiliza o sistema nervoso. Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas faz bem. O benefício adicional é que se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
Todos os dias deve-se comer fibra. Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um pulôver.
Você deve fazer entre quatro e seis refeições leves diariamente. E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de cinco horas do dia...
E não esqueça de escovar os dentes depois de comer. Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto tiver dentes, passar fio dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax. Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma.
Sobram três, desde que você não pegue trânsito. As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo - e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta são 29 horas por dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher... na sua cama.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de magnésio.
Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro.
E já que vou, levo um jornal... Tchau!
Viva a vida com bom humor!!!


Luis Fernando Veríssimo