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terça-feira, 21 de junho de 2011

Crônica do Dia

O aluno Apolinário revela em sua crônica todo o seu cansaço e os prazeres que descobriu no caminho do descanso.

Cansei

Acordei bem cedo, as cinco e trinta já estava de pé, me paramentei com minha roupa de ginastica, tênis, meias brancas – calção e camiseta – e fui andar. Percorri a estrada com os meus pensamentos à tiracolo. Todos aqueles assuntos da semana anterior, todos desta semana; como sempre o que nos chegam via TV, e seus noticiários alarmantes e ditos de maneira escandalosa – com pouca ou nenhuma preocupação em informar ou ensinar – mas sim em causar pânico, contradição e polêmica.

As polêmicas representam o feijão com arroz dos canais de TV, dos jornais e das revistas, não importa se verídicos ou não, não interessa se útil ou inútil, apenas que causem muito rebuliço e disse me disse – fiquem, pois, atentos ao que realmente pretendem os jornalistas de plantão. Cansei de tanto mal caratismo, de tanta ânsia em busca de factoides que gerem rebuliços e causem horror, cada qual maior e mais horripilante, ou que nos conduzam a conversas sobre o assunto, a revoltas silenciosas desde que não incomodem ninguém.

Todos sabem perfeitamente o que estão fazendo – porque o que focam é isso mesmo, causar o máximo de impressão, irresponsavelmente, é bom que se diga. Porque a busca do lucro – sem considerar qualquer lei natural de caráter moral há muito deixou de existir em nosso meio, se é que algum dia existiu – e para isso temos uma desculpa infalível – estamos vivendo um mundo globalizado. Mas isso não buscaram também os Persas?

Cansei dos debates sobre o certo x errado – sobre o bem x mal, sobre o justo x injusto, legal x ilegal – nenhum dirigente de governo – ou seja, aqueles que detém o poder de impor filosofias, ou ideologias – nenhum dirigente de empresa, ou empregado graduado estão voltados a uma vida melhor para coletividade, para o cidadão comum, ou para uma vida mais natural e ecológica. Todos, inclusive aqueles que confessam credos diferentes, estão sim preocupados e trabalhando arduamente para manter seus padrões de conforto e bem-estar – o que, diga-se de passagem não há mal nenhum – o que há de péssimo são os excessos cometidos e o fingimento hipócrita reinante.

Todos se julgam merecedores de maiores quinhões, todos se acham injustiçados de alguma forma e por isso tendem a boicotar e a dificultar o fluxo normal de funcionamento das instituições – a preocupação com seu individualismo, embota e obscurece a visão do todo. E em nome do desenvolvimento se arrasa a vida do planeta como um todo harmônico e provedor de vida.

Deixar de fazer o que tem de ser feito, porque se julga minimizado no seu salário é uma doença que atinge uma grande maioria do povo brasileiro. E isso é uma verdade defendida ou advogada para negligenciar suas obrigações, porque ganhar mais ou menos jamais fará alguém ser mais ou menos eficaz naquilo que se propõe a fazer. Quem sabe fazer direito, quem aprendeu a trabalhar eficientemente, faz independente do quanto ganha, porque cuidado, atenção, zelo, bom gosto, brio próprio, arte e prazer em construir não se compra a preço do vil metal. A moeda que define o bom trabalho do ruim é consciência.

O que se compra com dinheiro é ganância, vaidade, orgulho, egoísmo, prepotência e exibicionismo. Claro – acúmulo de bens supérfluos e uma índole individualista de todo poderoso, que se preocupa muito mais em menosprezar os seus pares do que conviver como iguais.

Apesar disso - o dinheiro é um bem, porque regula os meios de troca.

Cansei – rumei em direção a um riacho de águas limpas, tirei os calçados e as meias, molhei os meus pés com água corrente fria como gelo, molhei minha testa e nuca, bebi com as mãos em concha e me deleitei a ver os reflexos do sol brilhando na água.

Como eu, na outra margem vi um sabiá fazer o mesmo com grande alegria em sua alma, saltitava pra lá e pra cá, sacudindo as asas e alegrar-se apenas com o dom de viver a vida que Deus lhe deu. Por um momento me senti um pássaro, livre para viver o prazer do simples. Porque nós não fazemos apenas isso.

O sol crescia – aquecendo gostosamente o meu corpo – a paisagem me vestia por inteiro e não resisti ao convide da relva molhada pelo sereno da madrugada e deitei preguiçosamente. Meus olhos passaram a contemplar a fuga das nuvens e assim permaneci em contemplação. Sem nada a pensar.

Apenas voltei minha atenção a sentir o frio das gotículas a perpassar minha roupa e atingir minha pele. Apenas vivia. Respirava os odores do mato verde, sentia o oxigênio a entrar friamente por minhas narinas. Os meus sentidos foram se harmonizando com o ambiente até que adormeci, angelicamente. Vivi.

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